Em 1966, ao assumir o Governo do Maranhão, constatei de que não podíamos debitar somente aos governadores, meus antecessores, a situação de bagunça em que estava a administração do Estado. Na verdade ela não existia. Basta, como exemplo, dizer que a contabilidade era feita à mão, num daqueles velhos e grandes livros iguais aos do comércio de “deve” e “haver”. Meu primeiro ato foi ir ao Tesouro e, com um lápis vermelho, encerrar esse livro e escrever: “Aqui começa um novo Maranhão.” Já citei uma vez o grande chefe político maranhense Marcelino Machado, que marcou época quando disse que o Maranhão era um “burgo pobre”.
Em matéria da máquina de governo vivíamos com as práticas do Século 19. Resumia-se a Polícia e Coletoria. Uma para assegurar o comando político, outra para controlar o dinheiro dos impostos e completar o domínio do primeiro. No interior, a estrutura era formada pelo Delegado, pelo Subdelegado e pelo Inspetor de Quarteirão. Ao primeiro competia prender e soltar. Ao ser preso, o indivíduo tinha de pagar a carceragem, o que rendia um bom dinheiro ao Delegado. O Subdelegado dividia as funções com o Delegado. Nos povoados o Inspetor de Quarteirão prendia, soltava e tinha poder sobre todas as coisas. Era a maior autoridade.
Muitos Municípios não tinham cadeia — a prisão era o tronco a que se amarrava o preso com correntes. Todos nomeados pelo Governador e indicados pelo chefe político municipal. A metade dos Municípios não tinha Juiz; a função de julgar era exercida por três suplentes de Juiz, 1º, 2º e 3º, nomeados pelos Governador.
O Coletor cobrava o imposto, perseguindo uns e dispensando outros. O Delegado e o Coletor eram assim o Estado, e o Juiz Suplente, a Justiça.
Mas havia um gancho que dava grande poder político ao Coletor: ele arrecadava, mas não mandava o dinheiro para o Tesouro em São Luís, pois não havia banco nem outra maneira de fazer o envio. Assim o Coletor vinha todo mês trazer o dinheiro à repartição do Tesouro em São Luís e, entre duas vindas, manobrava esse dinheiro, favorecendo ou prejudicando os comerciantes com o dia de pagar ou de não pagar. Fiscalização: nenhuma!
Na minha campanha de Governador, sabendo que esse sistema era as pernas do coronelismo (quem quiser se aprofundar no tema leia o livro clássico de Victor Nunes Leal, Coronelismo, Enxada e Voto), prometi — e cumpri — que, eleito Governador, o Delegado seria nomeado por concurso público e o Coletor, sem vinculação com politicagem.
Minha primeira aparição na televisão como Governador foi mostrando as correntes dos troncos medievais no Maranhão — acabei logo com todos eles.
Vi logo que tínhamos que organizar o Estado e fazê-lo funcionar realizando imediatamente uma grande reforma administrativa. Trouxemos técnicos da Sudene, fizemos convênios com o Instituto de Serviço Público da Bahia, expert no ramo, e com a Universidade de Miami. Fundamos a Sudema, órgão de planejamento, com gente nova, cheia de idealismo e sintonizada comigo. Gente como Tribuzzi, Fialho, Haroldo Tavares, Emiliano Macieira, Eliezer Moreira, Itapary, Buzar e tantos outros de grande talento. Começamos a grande mudança — modernização e planejamento — para fazer o Maranhão Novo. Sair da estagnação.
Novos ventos e mentalidade sopraram. Saímos do zero e abrimos caminhos para deixarmos de ser o Maranhão estagnado.
Primeiro passo: organizar para transformar. O navio sai do porto!
— José Sarney é ex-presidente da República, ex-senador, ex-governador do Maranhão, ex-deputado, escritor da Academia Brasileira de Letras