“Com o Supremo, com tudo” era “Com o Supremo, com todos”?

A segunda parte do WikiJato do The Intercept joga um bocado de constrangimento sobre o ministro Luís Fux, com a sua boa vontade desprendida para ajudar Sérgio Moro e Deltan Dallagnol na Lava Jato. Aliás, não é a primeira vez que Fux aparece de forma polêmica no noticiário por conta da sua disposição de ajudar.

Agora, segundo a nova conversa vazada, Deltan Dallagnol diz que conversou com Fux, de forma “reservada, é claro”. E Fux disse que podiam contar com ele, “para o que precisarmos”. Em seguida, vira por meio de comentário de Moro versão tupiniquim de uma nota de dólar: “In Fux, we trust”.

Ministro do STF,Luiz Fux – Foto Orlando Brito

O outro episódio de boa vontade desprendida de Fux teria acontecido quando ainda disputava a indicação para ministro do Supremo Tribunal Federal. A indicação para o STF tem uma série de salamalaques políticos preliminares. Uma vez indicado pelo presidente, o futuro ministro tem de ser sabatinado e aprovado pelo Senado. Faz, assim, uma peregrinação por salas e gabinetes em busca de apoio. E foi assim que Fux foi parar na sala do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu quando se delineava o julgamento do mensalão. E, sobre o julgamento, teria dito a Dirceu: “Mato no peito”. Se ao longo do tempo, Fux mudou suas convicções, pode ser até legítimo, diante das evidências que eventualmente possa ter encontrado sobre casos de corrupção. Mas há pelo menos esses dois episódios nos quais partes diferentes dos últimos processos rumorosos que correram no STF, “in Fux they trust”.

O novo trecho do WikiJato constrange e complica por jogar a Suprema Corte no triste jogo de radicalização e ação no limite da irresponsabilidade que tem marcado o país nos últimos tempos. Mais do que um episódio isolado envolvendo um único ministro do STF, o que ali transparece de forma mais nítida é a sensação de que a Suprema Corte tinha e tem seus camarotes luxuosos neste interminável, chatíssimo e aburdo FlaXFlu sem regras que virou a nossa existência.

Quando o senador Romero Jucá comentava com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado que era preciso fazer uma ação para estancar a escalada de combate à corrupção “com o Supremo, com tudo”, teria sido mais correto como avaliação se ele tivesse dito “com o Supremo, com todos”. Num jogo no qual ele poderia contar com parte daquelas capas pretas. E contra o qual se uniria a outra parte das togas.

A história da “turma que prende” contra a “turma que solta” é a face tragicômica dessa situação. A Suprema Corte, cuja essência da sua existência é dirimir as dúvidas constitucionais para dar aos processos segurança jurídica, virou hoje, ao contrário, a casa da insegurança jurídica, porque cada um ali decide conforme suas convicções e torcidas políticas e, nesse processo, não se constrange nem um pouco em desfazer a decisão anterior do ministro integrante da ala adversária. Um prende, o outro solta. Um faz, o outro desfaz.

O segundo capítulo do WikiJato revela, assim, que do suposto conluio do juiz com o acusador poderia haver também conluio maior com aquele que, no final, iria dirimir as dúvidas constitucionais dos possíveis movimentos questionáveis que fossem surgindo.

Ministro do STF, Gilmar Mendes – Foto Orlando Brito

O problema é que, ainda que não apareça nesses áudios, sabe-se claramente que há episódios e situações parecidas envolvendo os ministros que torcem o nariz para a Lava Jato e gostariam de parar as suas ações. “O juiz só fala nos autos” é hoje uma frase tão anacrônica quanto alguém dizer que “uma viagem do Rio a São Paulo dura dois dias em boa e confortável carruagem”. O ministro Gilmar Mendes, a essa altura, já anulou em entrevista a condenação de Lula. Outros ministros também já se manifestaram. E há diversos casos pregressos semelhantes para citar de exemplo.

Evidentemente, não é somente aqui que as cortes de Justiça agem politicamente. Em qualquer lugar do mundo, elas são formadas por seres humanos, que têm as suas convicções. Dificilmente, porém, se verá hoje, no entanto, exemplos mais contundentes de falta de sutileza. No atual FlaXFlu, os juízes já passaram da fase de marcar pênaltis e impedimentos inexistentes. Eles já andam pegando a bola e correndo com ela para o gol do adversário.

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