Ao perceber que a instalação da CPI da pandemia seria inevitável, o governo buscou junto aos aliados uma narrativa para desviar o foco principal das investigações, até então voltadas as ações e omissões de Bolsonaro no enfrentamento ao coronavírus. O senador Eduardo Girão apresentou um pedido para investigar governadores e prefeitos sob a alegação de que teria havido corrupção e desvio dos recursos da União enviados aos estados e municípios para o combate à doença.
Embora a narrativa dos governistas envolvesse a má aplicação do dinheiro do erário, o tema não sensibilizou a cúpula da CPI, que preferiu focar na existência do tal “gabinete paralelo”, na falta de interesse do governo na aquisição das vacinas e no gasto de recursos públicos na distribuição de medicamentos sem eficácia comprovada para tratar a covid-19, além, claro, nas aglomerações promovidas pelo presidente da República Brasil afora.
Mas os governistas insistiam em trazer para o centro da CPI a discussão em torno do tema corrupção. Afinal, para o bolsonarista raiz, a narrativa de que sob a gestão Bolsonaro a “mamata acabou” continua valendo, apesar das evidências provarem o contrário. Agora desvio de dinheiro e corrupção podem sim virar o novo foco da CPI. A diferença é que ao invés de envolver governadores e prefeitos, vai mirar o próprio Bolsonaro e seu ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Sem querer, a Comissão acabou descobrindo, em meio a documentos do Itamaraty, um contrato mal explicado envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin.
Os documentos apontam um ágio de 1000% no valor da vacina adquirida pelo Ministério da Saúde durante a gestão Pazuello, em relação ao preço anunciado pelo próprio fabricante seis meses antes do contrato ser fechado.
Além de destruir o discurso do governo de que o Ministério da Saúde não adquiriu as vacinas da Pfizer por causa do alto valor – a americana, com os estudos da terceira fase concluídos, custava U$ 10, enquanto que a Covaxin, ainda com a terceira fase em andamento, vai custar aos cofres públicos brasileiros U$ 15 – o caso mostra que a crença no tal “tratamento precoce” por parte do presidente não era tão profunda.
A compra da Covaxin em condições suspeitas é a pá de cal no discurso bolsonarista de que não há corrupção nem desvio de dinheiro no governo atual. A narrativa já vinha capenga desde antes da posse de Bolsonaro, quando foi descoberto o caso das rachadinhas envolvendo o senador Flávio Bolsonaro, o filho 01, e os depósitos do Queiroz na conta da primeira dama Michele Bolsonaro, somando R$ 89 mil.
Outro caso mal explicado recentemente dentro do governo Bolsonaro é o envolvimento do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales, em investigação sobre supostos crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando na exportação de madeira do país. Apesar de tudo, continua sendo elogiado publicamente pelo presidente.
Os indícios de sobrepreço nas negociações são muito grandes e apontam para o envolvimento direto de Bolsonaro. Segundo matéria do jornal O Estado de São Paulo, a ordem para a aquisição da vacina partiu pessoalmente do presidente.
A situação de Bolsonaro ficou bem mais complicada com a revelação, em entrevista a O Globo, do servidor público Luís Ricardo Fernandes Miranda — responsável no Ministério da Saúde por todas as importações de insumos estratégicos, como as vacinas — de sua conversa com o presidente da República no Palácio da Alvorada. Ele foi lá, acompanhado do deputado federal Luís Miranda (DEM-DF), seu irmão, denunciar as pressões e tramoias para a compra da Covaxin.
Há três meses, Bolsonaro prometeu aos irmãos Miranda acionar a Polícia Federal para investigar toda a treta. Não há notícia de que tenha cumprido a promessa. Todos os detalhes dessa conversa serão relatados à CPI da Pandemia nessa sexta-feira (25).
Se antes Bolsonaro parecia preocupado com a proteção do seu pau mandado general Eduardo Pazuello, agora vai ter que cuidar do próprio pescoço à prêmio na CPI.
A conferir.