Ao comprar briga com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, bem avaliado pela população e em meio a uma pandemia de efeitos imprevisíveis, Jair Bolsonaro mudou de alvo e abandonou a estratégia que o elegeu presidente em 2018: a polarização com o PT.
Verdade seja dita, desde que deixou a prisão beneficiado pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre condenações em segunda instância, o ex-presidente Lula não conseguiu recuperar a visibilidade que tinha junto a mídia ou o poder de mobilização popular que possuiu um dia. Não se sobressaiu nem mesmo com todas as crises políticas patrocinadas ora pelo presidente, ora por seus filhos ou aliados ideológicos.
A pandemia do Coronavírus, assim como já começou a atropelar as eleições municipais previstas para esse ano, também promete sacudir o tabuleiro político da disputa presidencial de 2022. É o imponderável, o acaso surpreendendo e mudando os rumos da vida e da política.
Em ambientes como este é que costumam se forjar novas lideranças.
O medo da sombra
Instintivamente, o radar de Bolsonaro soou. E com razão, já que o desempenho de Mandetta, de fato, surpreendeu. Mostrou equilíbrio, ponderação, conhecimento de causa, até por ser médico. Conseguiu tranquilizar parte da população aflita, com medo de perder a própria vida ou de seus entes mais queridos.
Em vez de capitalizar a boa receptividade da população às ações do seu ministro da Saúde, consequentemente, de seu governo, o presidente apelou para a tática já testada e bem-sucedida que havia usado para se contrapor ao PT: o confronto. Não mais contra o petismo, mas direcionada a Mandetta.
Sem tumultuar a já conturbada realidade enfrentada por todos os brasileiros, o presidente poderia ter externado as mesmas preocupações com os efeitos econômicos da atual crise, que certamente atingirá os mais vulneráveis. Mas deixou-se cegar pelo ciúme do assessor.
Não é o primeiro, nem será o último governante a se assustar com a sombra de assessores.
Como presidente, talvez tivesse obtido mais sucesso propondo um grande pacto nacional com os governadores e prefeitos, em vez de confronta-los por conta das medidas adotadas de isolamento social. E ajustar, nos bastidores e não publicamente, eventuais divergências de condução da estratégia com o ministro da Saúde.
Jamais poderia se contrapor ou questionar o esforço de milhares de profissionais da área de saúde, dos quais todos os brasileiros dependem hoje, que temem o colapso da rede de saúde do país.
Tampouco capitalizou o reconhecimento público às medidas econômicas anunciadas pelo ministro Paulo Guedes para conter os efeitos da pandemia, apesar de bem recebidas e elogiadas pelo mercado financeiro.
O presidente preferiu enfatizar perante a Nação _ em seu quinto pronunciamento nacional em cadeia da rádio e TV na última quarta-feira (8) _ o resultado de uma investigação pessoal junto a especialistas sobre os resultados do uso da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes com Covid-19.
Pior, abriu margem para que os brasileiros mais incautos imaginassem que o mundo já encontrou um remédio eficaz para o tratamento da Covid-19, que não seja o isolamento social. A hidroxicloroquina está sendo testada sim, mas não há comprovação científica de que de fato seja eficiente para todos os casos.
Uma sombra que aumenta
Quanto mais insiste em sair da sombra de Mandetta, menor Bolsonaro fica. E não adianta jogar a culpa em ninguém. Cada um deve assumir a responsabilidade de suas escolhas.
Quem chega ao poder, normalmente, é cercado por pessoas que querem agradá-lo e, por isso mesmo, preferem não contrariá-lo. Resta aos aliados mais fiéis, alertá-lo sobre os riscos de cada uma de suas decisões.
A soberba pode ser uma péssima conselheira. Quase sempre é o caminho mais curto para o fracasso.
Mandetta, ficando ou não no Ministério da Saúde, sairá maior do que entrou no governo Bolsonaro. Sua postura impávida diante de todo tipo de provocações, do presidente, seus simpatizantes nas redes e, agora, até mesmo do colega de partido e de Esplanada, Onyx Lorenzoni, reforçam seu equilíbrio e liderança, mesmo sob pressão.
Até 2022, muita água deverá rolar debaixo da ponte. Trabalho não faltará para quem se dispuser a ajudar os mais atingidos pela atual crise sanitária e econômica. Mas é bom alertar que será um péssimo negócio ganhar a pecha de oportunista numa quadra tão difícil do planeta. Como já alertava Maquiavel em sua principal obra, O Príncipe, dificilmente um governante consegue reverter a má fama quando ela chega ao povo.
A volatilidade dos votos
Uma eleição presidencial se define por um conjunto de fatores. Alguns pesam mais do que os outros. O perfil de líder costuma ser essencial para um candidato se viabilizar, seja essa uma qualidade natural ou forjada pelas circunstâncias.
Mas o que costuma ser decisivo mesmo é a situação econômica do país, gatilho que leva o eleitor a promover ou não a alternância dos governantes de plantão.
Foi a economia que garantiu a eleição de Fernando Henrique Cardoso presidente em 1994 e sua reeleição em 1998. O sucesso do plano de estabilização econômica foi suficiente para elegê-lo no primeiro turno, das duas vezes em que disputou o cargo. Façanha que ninguém mais repetiu até hoje.
O cenário econômico mundial favorável e a manutenção do tripé de sustentação do Real contribuíram para a permanência do PT por 13 anos no comando do país. Um poder que começou a ser abalado pelo avanço da Lava Jato, que desnudou um esquema de corrupção antigo, mas que ajudou a institucionalizar. Sua queda, no entanto, só ocorreu mesmo quando a economia desandou.
Bolsonaro soube tirar proveito disso durante a eleição de 2018. Mas como outros políticos que saíram fortalecidos das urnas, não percebeu que os votos são voláteis, não lhe pertencem e facilmente podem encontrar outro personagem que lhes inspire maior confiança ou liderança.