Ao contrário do que o presidente Jair Bolsonaro esperava, o dinheiro para investir em infraestrutura virá de um país socialista e não da iniciativa privada dos Estados Unidos, seu aliado de primeira hora. Bolsonaro acreditava que seu alinhamento com o presidente dos EUA, Donald Trump, e a aprovação da reforma da previdência, além de medidas de ajuste fiscal, seriam a senha para a corrida de investidores americanos em busca de bons investimentos no Brasil.
Os investidores americanos estão dando uma demonstração de desconfiança na política de ajuste fiscal do ministro da Economia, Paulo Guedes, mesmo com a melhora no ambiente de negócios. Ainda não estão seguros sobre a retomada do crescimento e as oportunidades de ganhos para o capital investido no Brasil.
Também ficou claro que o discurso ideológico de Bolsonaro de identificação com a direita e de combate à ameaça comunista em nada muda a decisão destes investidores.
Como dizia o grande líder revolucionário chinês, Mao Tse Tung, “a prática é o único critério da verdade”. A injeção de recursos capaz de colocar a economia em crescimento virá do governo socialista chinês, que em tese seria um inimigo ideológico de Jair Bolsonaro e muito mais à esquerda do que o Partido dos Trabalhadores.
Capitalismo à la China
O poder político da China é exercido por uma única organização partidária de 89,5 milhões de filiados, o Partido Comunista Chinês, que, inspirado no marxismo-leninismo, conduz a economia de maneira pragmática buscando os melhores resultados no sistema capitalista para seu país.
As estatais chinesas podem investir em obras estratégicas do Brasil cerca de US$ 100 bilhões a partir 2020, fato que surpreendeu a equipe de Paulo Guedes. O anúncio foi feito durante encontro do presidente Xi Jinping, na reunião dos Brics, em Brasília, semana passada.
O volume de recursos equivale a R$ 419 bilhões, quase dez vezes mais do que foi previsto de investimento público no Orçamento Geral da União para 2020.
O montante que será destinado à construção de estradas, ferrovias, portos, aeroportos e energia elétrica é bem significativo se comparado com o melhor ano de investimento em obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), quando foram injetados em torno de R$ 100 bilhões, quatro vezes menos do está sendo projetado agora.
Nada de ideologia, apenas negócios
A China está investindo no Brasil, não pela simpatia com as ideias ideológicas de Jair Bolsonaro, mas dentro da estratégia de ampliação de suas relações comerciais e econômicas com o mundo. Com os investimentos, o gigante asiátivo pretende ampliar influência em áreas importantes de seu interesse, especialmente para vender seus equipamentos, como usinas e trilhos para ferrovias. E também deixar mais barato o escoamento de produtos que exporta ou importa.
A equipe de Paulo Guedes acreditava que as petroleiras americanas iriam investir no pré-sal, mas o único investidor estrangeiro foi a estatal chinesa de petróleo. Vale lembrar que os chineses já compraram usinas hidroelétricas e são fortes candidatos a ficar com a Eletrobrás, caso esta seja privatizada.
O aumento do investimento da China socialista no Brasil e em outros países capitalistas é uma forma de aproveitar a rentabilidade do capital acumulado, já que o crescimento da economia chinesa deve ficar este ano em torno de 6%, bem abaixo do esperado e o menor nos últimos 28 anos. A média de crescimento neste longo período foi de 9,62% ao ano, o que contribuiu para tirar milhões de chineses da extrema pobreza e elevar a renda per capita a US$ 16,1 mil, superando à brasileira.
Com Xiaoping, a virada
Em 1976, quando Mao Tse Tung morreu, a economia tinha encolhido 1,6% do PIB. O partido comunista chamou o Deng Xiaoping para ajudar a tirar a China do buraco. Xiaoping valeu-se da experiência de crescimento econômico do Japão, país inimigo na Segunda Guerra Mundial.
A China começou a investir em educação e tecnologia copiando o modelo japonês. Diante das críticas pela iniciativa, Deng Xiao Ping respondeu que “não importa a cor do gado, contanto que ele cace o rato”, justificando as escolhas pragmáticas de um país socialista que cada vez mais está integrado ao capitalismo.
A estratégia de Deng Xiao Ping para atender parte de uma população de 1,4 bilhão de pessoas funcionou. As políticas de estímulo ao crescimento foram gerando empregos de qualidade com aumento de renda e consumo.
O crescimento veio de forma constante também com investimentos em infraestrutura de transporte, portos, construção civil para melhorar a qualidade de vida das populações urbanas. Cerca de 800 milhões de chineses saíram da linha de pobreza.
Com o crescimento, a economia chinesa passou a ter reflexos também sobre as demais economias capitalistas do mundo com seu Produto Interno Bruto (PIB) na casa dos US$ 12 trilhões atualmente.
Modelo chinês aqui?
O que o podemos apreender com a experiência chinesa é que, sem crescimento na economia, não há como sustentar a máquina administrativa, pagar a dívida acumulada, gerar empregos, gerar renda e consumo. O Brasil precisa melhorar a qualidade dos investimentos em educação, ciência e tecnologia com foco em resultados econômicos, dentro de uma estratégia de integração com as cadeias produtivas mundiais.
A meta da equipe econômica de Paulo Guedes para o País crescer em torno de 2% do PIB em 2020 está muito aquém do que a necessária. Pelo nível de desemprego, ociosidade no nosso parque industrial e carência de infraestrutura, o Brasil deveria estar com PIB na casa dos 6% para voltarmos a crescer.
A questão é que tanto Guedes como Bolsonaro acreditavam que apenas com as medidas de contenção de gastos e de estabilidade fiscal, os capitalistas privados iriam correr para aproveitar as oportunidades de ganho no Brasil. A economia , mesmo com a redução dos juros e inflação baixa, dificilmente vai crescer sem estímulos, coisa a ser construída com bons formuladores de política econômica, como aqueles que engenhosamente fizeram o Plano Real, que debelou inflação a crônica dos anos 1980-1990.