Candidaturas minadas por homens impedem mais mulheres no poder

Maioria do eleitorado, as mulheres continuam sendo sabotadas pelos partidos, cujas estruturas são comandadas por homens. Na campanha deste ano foram vários os exemplos, alguns narrados pela autora.

Ilustração Thiago Fagundes/Agência Câmara

As mulheres são sub-representadas na política, embora sejam maioria entre os eleitores. De acordo com os dados estatísticos divulgados pelo TSE em julho deste ano, dos 156 milhões de brasileiros aptos a votar, 82 milhões são do sexo feminino. Isso equivale a 53% do eleitorado. Enquanto os homens somam 74 milhões. É uma diferença considerável, mas que não se reflete nas distribuição dos espaços de poder.

Dilma Rousseff – Foto Orlando Brito

Desde o início da República, em 1889, apenas um mulher foi eleita presidente, Dilma Rousseff, em 2010 e 2014. Nos estados a situação não é muito diferente. Apenas 16 mulheres foram governadoras, sendo que, dessas, apenas a metade foi eleita, a outra metade  assumiu o posto interinamente após a renuncia, cassação ou morte do titular.

Bancada feminina no Senado – Foto Marcos Oliveira/Agência Senado

No Congresso Nacional a paridade de gênero é praticamente inexistente. Atualmente, apenas 15% dos representantes na Câmara dos Deputados são mulheres. No Senado, esse percentual é ainda menor, 13%. Mais grave do que no Executivo e Judiciário, no Legislativo, até hoje, nenhuma mulher foi eleita presidente de uma das casas que compõem o Congresso Nacional. Nas Assembleias estaduais temos, atualmente, apenas 161 deputadas em todos os estados brasileiros.

Essa sub-representação se reflete em todos os setores da sociedade, sobretudo em relação às pautas femininas, muitas são esquecidas nos escaninhos do poder por não interessar aos reais “donos do poder”. Questões como igualdade salarial não entram como prioridade nos debates.

Mas afinal, por que temos tão poucas representantes femininas no poder? Existe uma falácia de que as mulheres não votam em outras mulheres. Entretanto, a campanha deste ano vem descortinando uma realidade na qual a sociedade fingia não enxergar: o boicote promovido pelos homens às candidatas. Mesmo quando elas possuem maior chance de vitória, seus nomes acabam sofrendo vetos e suas candidaturas são minadas dentro dos próprios  partidos.

Fundo partidário

A aprovação da política de cotas e destinação de recursos do fundo partidário visando incentivar a candidatura feminina, provou-se um grande engodo. Muitas candidaturas são usadas como laranjas visando o repasse de verbas ao partido. Quem não lembra do laranjal do PSL? As estruturas partidárias, em sua maioria comandada por homens, possuem um DNA machista. Isso se reflete no real apoio às candidaturas femininas.

Vemos exemplos disso de forma clara em vários estados do país. Muitas mulheres foram alijadas do poder e tiveram suas candidaturas retiradas ou prejudicadas por manobras de dirigentes partidários antes das convenções. Nas campanhas, porém, muitos desses partidos, hipocritamente, buscam mostrar adesão à pauta feminina, apoio às mulheres, mas sempre delegando a elas a vaga de vice, nunca de titular.

Governadora do Ceará, Izolda Cela – Foto Divulgação

O PDT do Ceará foi um dos clássicos casos onde os homens mostraram sua cegueira política. O acordo havia sido firmado para que a governadora Izolda Cela, bem avaliada nas pesquisas, fosse a candidata à reeleição. Qual não foi a surpresa, quando Ciro Gomes, que disputa à presidência da República, chegou e destruiu todo acerto, tirando Izolda do páreo, sem qualquer explicação minimamente lógica.

Candidato a presidência pelo PDT, Ciro Gomes. Foto Orlando Brito

Ciro Gomes deveria ter aproveitado a oportunidade para apoiar Izolda Cela na disputa pelo governo do Ceará e tentar limpar sua barra com as mulheres. Em 2002 ele protagonizou uma situação constrangedora, a qual até hoje tem que se desculpar, quando disse que sua então esposa, a atriz Patrícia Pilar, cumpria um importante papel na campanha, que era “dormir” com ele.

Vendo essa traição, Izolda se desfiliou. Não é apenas menos uma mulher no poder. Nesse caso, é menos uma mulher no poder que promovia políticas para as mulheres e pautas feministas. É menos uma mulher que mudava as estruturas, pois, sua maior atuação sempre foi na educação. Graças ao seu trabalho na Secretaria de Educação, o Ceará se destaca entre os estados com melhores resultados no Brasil, que pode ser comprovado nas avaliações do ENEM.

Por outro lado, no Distrito Federal, a senadora Leila do Vôlei, sem qualquer chance de vitória, foi lançada candidata ao governo com o único objetivo de dar palanque a Ciro Gomes. Típico caso em que a mulher é usada como escada para promover um homem.

Izalci Lucas – Foto Orlando Brito

Também vem do DF outro  caso flagrante de machismo e desrespeito com as mulheres que entram na política. O senador Izalci Lucas,  recentemente condenado por corrupção, que dirige o PSDB local, minou as chances da candidatura da deputada federal Paula Belmonte ao governo do DF. Mesmo com o apoio de grandes nomes da federação e após garantir alianças importantes, ela teve sua candidatura impedida. A parlamentar tinha chances reais de ir para o segundo contra o atual governador, postulante a reeleição, mas isso não foi levado em conta.

Deputada Federal Paula Belmonte – Foto Cadu Gomes/Divulgação

E, pasmem! Sua candidatura foi minada com a ajuda de outras mulheres do partido, que preferiram apoiar o senador. Izalci nada tem a perder, afinal, ainda possui 4 anos de mandato pela frente. E qual seria a justificativa dessas mulheres para barrar o nome de Paula Belmonte? Supostamente o incômodo do uso do poder econômico da pré-candidata para obter apoio dentro do partido. O mais interessante dessa história toda, é que esse “uso do poder econômico” não incomodava antes, nem mesmo ao próprio senador  que disputou o Senado em 2018 com o apoio financeiro do marido da deputada, seu primeiro suplente, o advogado Felipe Belmonte. A isso chamamos de “morder a mão que o alimenta” ou “cuspir no prato em que comeu”.

Não se espantem se esse tal senador, sendo candidato ao governo do DF, apresente uma mulher como sua vice para tentar limpar sua barra. Ou, já tendo alcançado o objetivo de impedir a candidatura de uma mulher com chances reais de ir ao segundo turno contra o candidato da situação, desista ao longo do pleito favorecendo o atual mandatário. Deveriam as eleitoras mulheres votar nele depois disso?

Maria de Lourdes Abadia – Foto George Gianni/PSDB

O Distrito Federal em toda a sua história nunca teve nenhuma governadora eleita. Tivemos três ex-governadoras, que assumiram após a saída dos titulares, todos homens. Foram elas: Arlete Sampaio, Márcia Kubitschek e Maria de Lourdes Abadia. Esta última, quando resolveu ela mesma entrar na disputa pelo governo, foi vítima dos piores xingamentos e mentiras contra a sua honra. Mais grave, em pleno palanque eleitoral, desferidas por outro candidato, que posteriormente teve que pedir desculpas.

A violência política contra mulheres antes, durante e após as eleições é uma realidade vergonhosa no Brasil. Tanto é, que o TSE, assinou um protocolo esta semana com o Ministério Público, para criar um canal voltado a receber especificamente denuncias de violência política contra as mulheres. De acordo com a colunista Malu Gaspar, de O Globo, qualquer pessoa que tiver conhecimento de episódios de violência política poderá acionar as autoridades pela internet. Para a Justiça Eleitoral, essa é uma das causas da baixa participação feminina na política brasileira.

A violência contra a mulher na política não tem limites. Que o diga a ex-presidente Dilma Roussef. Muitas vezes ridicularizada pelo que vestia, pelo seu peso, pela suas falas, unicamente por ser mulher.

Senadora Simone Tebet – Foto Orlando Brito

E falando em presidenta, a candidata à presidência pelo MDB nessas eleições, Simone Tebet, diferente de alguns candidatos homens de outros partidos, terá muita dificuldade de encontrar palanque em vários estados. Pois, também é minada por dirigentes do seu próprio partido que desejam apoiar a candidatura do ex-presidente Lula, com mais chances de vitória. O próprio Lula vem alimentando essas conversas com lideranças como Renan Calheiros, em Alagoas, e Eunício Oliveira, no Ceará. A indicação da senadora Mara Gabrilli como vice, numa chapa só de mulheres poderia ser um grande diferencial e chamar a atenção do eleitorado feminino, mas não parece ser este o resultado.

O Caminho do Brasil para conquistar a equidade de gênero na política ainda é longo e cheio de percalços. Para que tenhamos mais mulheres no poder é preciso mudar as estruturas partidárias, fazer uma reforma política verdadeira e a violência política ser extinta. A sociedade precisa enxergar de fato a importância de democratizar as instâncias de poder elegendo mais mulheres em todos os nichos de poder.

Também é preciso aumentar a diversidade. É necessário que disputem em condições de igualdade aos homens e à todos, mulheres negras, mulheres pertencentes à comunidade lgbtqi+, mulheres indígenas, bem como mais mulheres que representem as pessoas com deficiência. Porque quando uma política pública beneficia uma mulher, ela beneficia toda a sociedade.

Somos a maioria da população. Hoje, grande parte dos lares são chefiados por mulheres. Nós  cuidamos da família, das crianças e dos idosos. Atualmente, as mulheres possuem mais tempo de estudo do que os homens,  mas nossos salários continuam menores que o dos homens, mesmo exercendo funções iguais. Também somos alvo da violência por parte dos homens. O número de  feminicídios aumentou nos últimos anos. Tudo isso faz com que nossas necessidades e reivindicações sejam desprezadas e desqualificadas em instâncias de poder dominadas por homens.

 

Deixe seu comentário