O economista Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central (BC), pode não ter o traquejo do Parlamento, mas conseguiu demover os senadores da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) da ideia de liberação dos depósitos compulsórios como instrumento para aumento de crédito e retomada do crescimento da economia.
Roberto Campos Neto admitiu que os atuais R$ 470 bilhões recolhidos compulsoriamente pelos bancos ao BC são os maiores do mundo. Mas justificou a impossibilidade de liberar parte deste montante sob risco de provocar “uma crise bancária”.
Segundo o banqueiro, “o nosso sistema de assistência de liquidez não é muito aperfeiçoado” e, por outro lado, “não há demanda para crédito dos bancos no mercado”. Ele explicou que, da última liberação de R$ 20 bilhões dos compulsórios, apenas R$ 5 bilhões foram repassados ao crédito. Sendo que o restante foi aplicado pelos bancos no overnight, remunerado pela Taxa Selic por falta de tomador final.
O senador Oriovisto Guimarães (Pode-PR) sugeriu que o BC deixasse de remunerar estes recursos empoçados para forçar os bancos a emprestar a taxas mais baixas aos correntistas. Campos Neto argumentou que não seria possível em função da atual sistemática do BC para controlar a liquidez de recursos no sistema a fim de levar as taxas de juros entre os bancos ao que foi estabelecido pela Selic.
A liberação dos compulsórios, bem ao contrário do que os senadores estavam defendendo, só vai ocorrer, segundo Campos Neto, na medida que for ocorrendo um aumento da demanda do crédito a fim. Ou seja: no passado, o papel dos compulsórios recolhidos era contrair a base monetária, retirarando dinheiro da economia para evitar aumento de consumo.
Não entenderam nada
Hoje, ao contrário, é necessário dar liquidez aos bancos em uma eventual crise financeira, já que aquelas instituições, segundo Campos Neto, resistem nesta situação a recorrer ao redesconto do BC. Apesar da presença de senadores experientes, como Tasso Jereissati (PSDB-CE), Oriovisto Guimarães e Eduardo Braga (MDB-AM), entre outros que faziam a defesa da liberação dos compulsórios e a redução de taxas de juros, ninguém percebeu a imprecisão dos argumentos de Campos Neto.
O fato é que, diante de uma crise bancária ou crise de liquidez, é o patrimônio do banco em crise que terá que ser usado para atender as necessidade de liquidez dos correntistas, conforme as regras prudenciais do Banco Central previstas no Acordo de Basileia. Nesta situação, os bancos, terão que recorrer a uma linha especial de crédito do BC denominada de redesconto.
O Banco Central só pode atender o banco em dificuldade a partir das garantias de bens reais destas instituições e mediante cobrança de juros punitivos. O compulsório é um recurso sobre os depósitos a prazo ou à vista que, em última instância, pertence a um correntista e não consta como patrimônio da instituição financeira, e sequer pode ser usado como garantia para empréstimo de redesconto no Banco Central.
Este dinheiro não será utilizado para estimular a economia, muito menos os recursos públicos. O presidente do BC deixou claro que a economia só vai crescer com recursos privados. Ele acredita que, diante do atual cenário mundial de baixo crescimento, o Brasil vai crescer no mesmo patamar do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.
A seguir, transcrevo alguns dos argumentos de Roberto Campos Neto para que você, leitor, possa formar sua opinião.
Crescimento
(*) “Como o Brasil está preparado para este tema de crescimento mais baixo? Temos vários fatores geopolíticos. A tensão comercial, que começou com a ideia de aumento de tarifas de importação, tem o envelhecimento da população e a mudança de hábito que contribuiu para este crescimento mais baixo. A Europa cresce pouco com muitas dúvidas sobre quais as instrumentalizações serão usadas para fomentar um crescimento futuro. Os Estados Unidos crescem um pouco acima da média e a Ásia que continua puxando o crescimento. A Argentina que puxou um pouco para baixo, mas não deve ser tão negativo no ano que vem porque a base já está muito baixa”.
Inflação
(*) “O Brasil que segue em recuperação. A inflação está bastante baixa e estável, no curto, no médio e longo prazo. Nós atravessaremos um período de inflação baixa. A inflação baixa tem vários causadores e influências. Uma delas é global e a outra é o fato do Brasil estar se reinventando com dinheiro privado, removendo todo este incentivo público. Mais importante é que o carro chefe é finalmente o mercado, tendo a compreensão de que o Governo tem um plano fiscal sério que vai endereçar o problema fiscal e ter um solução no médio prazo”.
Choques
(*) “Caracterizar o que houve no ano 2019. Tivemos três choques, dos quais dois não eram esperados, muito atípicos, de economia, que reduziram bastante o crescimento do País. O choque da Argentina e a queda das exportações custou ao Brasil 0,18% do PIB. O choque mundial custou ao Brasil 0,30% do PIB, que isso é a corrente de comércio caindo no mundo inteiro e o desastre de Brumadinho, que custou 0,20% PIB. Isso significa que se estamos indo para um crescimento de 1% a gente cresceria mais 0,60%. A gente tem visto já bastante evidências anedóticas: alguns canais estão impulsionando a economia, como o crédito”.
Governo Lula
(*) “Como foram os crescimentos dos últimos governos e como foi o crescimento absoluto e relativo. No primeiro período Lula, existia uma percepção de um crescimento bastante alto, mas se olhamos o que aconteceu com o mundo emergente, o Brasil ficou muito atrás. Ou seja, teve uma performance inferior aos outros períodos. O mundo também crescia, foi o melhor desempenho nos últimos 20 anos. Na verdade, o Brasil foi impulsionado por um crescimento global de mercado emergente, mas ainda assim teve uma performance fraca. É importante entender que grande parte desse crescimento foi impulsionado com dinheiro público. Esta impulsão do crescimento com dinheiro público tem momentos onde ela gera ineficiência, e a gente está agora vivendo um pouco de ineficiência que foram geradas nas últimas grandes injeções de dinheiro público. Quando a gente pensa no crescimento que entendemos que vamos ter nos próximos anos, tem aí uma figura mais ou menos parecida com o primeiro período de Fernando Henrique , mas estamos falando de um crescimento basicamente sem dinheiro público”.
Dinheiro público x Dinheiro privado
(*) “Isso significa que este plano de reinventar o País com dinheiro privado está acontecendo. A gente está crescendo com menos dinheiro público. Não significa que não deveria ter investimento. O que estamos dizendo é que o dinheiro público como máquina do crescimento bateu no muro em algum momento e gerou muita ineficiência. Quando nós olhamos a produtividade tem algo interessante porque tivemos períodos de alto investimento público com produtividade caindo. Porque a alocação de dinheiro quando é feita pelo setor público é bem menos eficiente do que quando é feita pelo setor privado. Se dividirmos o crescimento em dois: o privado é de quase 2% e o crescimento público está caindo 1%. Em relação ao que nós entendíamos que poderia acontecer, eu diria que o crescimento público está pior do que o imaginado porque quando você retira a máquina, o efeito cascata foi maior. Por outro lado, o crescimento privado está um pouco acima do que nós imaginávamos. Um dos grandes canais continua sendo o crédito. O crédito livre está crescendo 13,1% na ponta. No total, crescendo 5,8%, menos pela troca do credito público pelo privado”.
Compulsório
(*) “O compulsório no Brasil é bastante alto. Não existe hoje no mundo País que tenha compulsório tão alto. Temos feito movimento de redução do compulsório. Reduzimos R$ 20 bilhões, do quais R$ 15 bilhões ficaram empoçados, estão rodando no overnigth, e R$ 5 bilhões foi pro sistema. Quanto mais a gente fomenta as alavancas de crédito imobiliário, mas eu consigo diminuir o empoçamento. Todo o dinheiro que sobra no sistema ele vai ser remunerado no over. Porque a forma com que o BC controla a Selic, para que seja realmente a taxa efetiva na ponta, é exatamente controlando a liquidez de curto prazo. Quando tem mais liquidez o BC tem que atuar para reduzir a liquidez de forma a regular a oferta, e a demanda seja tal para que a taxa na ponta seja aquela que o BC estipulou. Isso é a formula de fazer a política monetária. Agora, se tem umas sugestões de que deveria haver uma penalidade para o dinheiro empoçado, coisa deste tipo. Alguns países tem punição e outros adotam um incentivo para que o dinheiro não fique empoçado. Quando olhamos o histórico dos compulsórios de vários anos, ele nunca foi diminuído. Ele foi otimizado”.
“O Brasil tinha compulsórios diferentes e foi direcionando mais para atividade A ou B. Quando olhamos o estoque, ele está em R$ 470 bilhões, R$ 460 bilhões. O compulsório ainda é o que foi o máximo. O volume ainda é muito alto. Parte da razão pela qual o compulsório é alto é porque o sistema entende hoje quando tem um evento de liquidez, uma crise bancária, o nosso sistema de assistência de liquidez não é muito aperfeiçoado. Tanto que, em 2008, quando teve a crise, ninguém entrou na janela de redesconto do BC. Se eu amanhã fizer um leilão de linha em dólar, todos os bancos vão entrar. Se eu fizer em reais ninguém vai entrar. Existe um estigma no sistema financeiro nacional de que algum banco que estiver pegando dinheiro emprestado do BC é porque está com problema”.
Crédito
“Então é um sistema que não funciona porque basicamente é feito em cima de títulos públicos. O que a gente quer é um sistema que a gente consiga usar a dívida privada para melhorar esta eficiência para gerar liquidez. Aí, eu podendo usar a dívida privada, entendendo que cada vez mais os bancos vão ter dívida privada e menos dívida pública, eu consigo reduzir o compulsório. A gente já tem feito as reduções, mas não adianta eu fazer uma redução muito grande porque, para o dinheiro chegar na ponta, os bancos precisam emprestar. Preciso dizer que algumas medidas de crédito melhoraram muito. Crédito da pessoa física na ponta está crescendo 35%. Crédito imobiliário na ponta está crescendo 16% a 17% na ponta. O crédito de financiamento de automóveis está crescendo mais de 15%. Crédito às pequenas empresas está crescendo a 13%”.
(*) “A gente passou muitos anos controlando a quantidade de água que passava no cano. Agora, eu quero trocar o encanamento. É um trabalho diferente. Eu quero, no futuro, ter um cano mais largo para que a mesma política monetária tenha mais eficiência. Para isso, a gente precisa fazer todas as reformas micro que está fazendo. Para o crédito escoar, para a gente ter mais veículos de crédito, ter cooperativas de microcréditos, para ter crédito agro mais eficiente”.
“Nós vamos fazer redução dos compulsórios a medida que a economia crescer a demanda por crédito, e vai abrir mais espaços para reduzir mais compulsório. Além disso, a medida de ampliação do crédito privado, abrir espaços para reduzir ainda mais o compulsório no futuro”.