Hoje Brasília faz 63 anos. Ela foi projetada para ser uma cidade modernista, setorizada, uma cidade-parque arborizada e onde as pessoas de diferentes classes sociais morariam no mesmo prédio. Lucio Costa projetou o Plano Piloto de Brasília inspirado nas “Cidades Jardim do Amanhã” de Howard e ao mesmo tempo em cidades lineares. Assim, criou o conceito de superquadra (composta por 4 quadras) e unidades de vizinhança. Brasília tem 16 superquadras na Asa Sul e 16 na Asa Norte. Cada quadra tem entrada única, os blocos de apartamentos sobre pilotis são de livre acesso para que as pessoas possam transitar de um bloco para o outro e utilizar os espaços livres arborizados e gramados. Na unidade de vizinhança dessas superquadras deveria existir comércio local voltado para as residências com livre acesso entre eles, escola classe, escola parque, cinema, igreja, biblioteca e clube. Infelizmente, até hoje Brasília só tem uma única unidade de vizinhança. E, por falta de fiscalização, ela está sendo descaracterizada.
Atualmente, praticamente todas as quadras de Brasília sofrem com o fechamento dos pilotis, com um paisagismo de restrição de circulação que consiste de cercas de arame cobertas de cipreste e outras plantas. Elas impedem que os pedestres circulem livremente entre os blocos como foi projetado pelo criador de Brasília. Além disso, alguns síndicos também resolveram fechar partes dos pilotis com blindex criando salões que também impedem a passagem entre os blocos.
Se na área residencial há esse impedimento na livre circulação, nas comerciais não é diferente! As áreas que deveriam ser livres para os pedestres estão cercadas e são utilizadas pelos comerciantes como extensão dos seus comércios. E essas invasões de área pública se estendem para as áreas verdes e torna as comerciais uma grande bagunça generalizada descaracterizando e enfeando a cidade modernista. Para o governo, essa bagunça não é problema desde que a invasão de área pública gere algum lucro. Os governantes não se importam em preservar o tombamento de Brasília. Os órgãos de patrimônio e fiscalização estão sucateados e não agem como deveriam na conservação e preservação da cidade modernista
Outro local que merecia maior atenção em relação à preservação do Plano Piloto é a W3 Norte. Se as pessoas observarem atentamente, o gabarito dos prédios está só subindo. Não como novos andares, mas como puxadinhos nas lajes. Viraram barracos aéreos com vista para as superquadras.
Como se não bastasse esse show de puxadinhos e invasão de quiosques nas áreas públicas por todos os lados, o Plano Piloto ainda sofre com a “descaracterização oficial” com a fiação aérea onde não deveria existir e com a aprovação de leis complementares que mudam destinações, setorizações, gabaritos, e cria lotes onde Lucio Costa deixou explícito que era área não edificante. Essas mudanças se dão para agradar aos especuladores imobiliários da cidade, ávidos por lucros, que se pudessem já teriam transformado o Plano Piloto em uma cidade cheia de arranha-céus e com pouca vegetação. Enquanto existe um tombamento, por não poder mudar tudo de uma vez, esses tubarões vão comendo Brasília pelas beiradas. Eles ocupam os conselhos e espaços de poder, financiam campanhas políticas e vão usando dessas estratégias para mudar os conceitos urbanísticos que norteiam Brasília.
Nesse ritmo de descaracterização, quando Brasília fizer 100 anos, dificilmente ela ainda poderá ostentar o título de Patrimônio Cultural da Humanidade concedido pela Unesco. E terá perdido suas características originais que a diferencia das outras cidades e promove a qualidade de vida que seus habitantes ainda tem. Aos 63 anos, Brasília caminha na contramão da sustentabilidade ambiental e da preservação do seu patrimônio. E hoje é sem sombra de dúvidas a cidade de maior desigualdade social do país, onde está presente de um lado um bairro com a maior renda per capta do Brasil a poucos quilômetros da maior favela da américa latina!
Ainda há tempo de mudar os rumos e Brasília voltar a ser a “Capital da Esperança” ?