Há muito tempo que a capital do Brasil não pode ser chamada de “capital da esperança”, como disse o ex-ministro da cultura da França, André Malraux, durante visita à Brasília, em 25 de agosto de 1959. Após 62 anos de sua inauguração, eu acredito que, para uma cidade que tinha tudo para ser vanguarda, se tornar um lugar atrasado como é atualmente, só tem uma explicação: Enterraram a cabeça de um burro no cruzamento dos eixos monumental e rodoviário.
Que azar da capital federal ter sido governada por tantos maus políticos! A maioria sem qualquer projeto para desenvolver a cidade. Nenhum com vocação de estadista.
Talvez essa seja uma das razões pela qual a Capital do país tenha um péssimo serviço de transporte público, péssimo! O metrô não atende a demanda. Trens velhos, frotas de ônibus poluentes e sucateadas. Ônibus sempre lotados. Isso acaba estimulando o uso de carros particulares, piorando cada vez mais o já caótico trânsito.
A rodoviária do centro da cidade, projetada por Lucio Costa, é uma vergonha em todos os sentidos. Mal administrada, vive com escadas rolantes paradas e elevadores quebrados. E é ali que o dinheiro público escoa pelo ralo em reformas fajutas, que não passam de maquiagens mal feitas. Não é um lugar que dá orgulho aos brasilienses quando visitado pelos turistas.
A cada governo, mais dinheiro público é repassado para as empresas de ônibus. Elas enriquecem às nossas custas e, em troca, entregam um transporte público de péssima qualidade, com um esquema de bilhetagem suspeito e sem qualquer fiscalização eficiente.
Fiscalização, aliás, é outro sério problema de Brasília, falta em todas as áreas. A cidade virou terra de ninguém, ou melhor, terra da grilagem, das maracutaias, da especulação imobiliária desenfreada. Com isso, o verde do cerrado vem sendo destruído, assim como as nascentes, produzindo cada vez mais resíduos sólidos, que vão para aterros sanitários. Em lugares desenvolvidos, o lixo é transformado em gás e produz energia. Aqui, infelizmente, celebramos o atraso.
Não podemos dizer que o Distrito Federal tem uma política habitacional decente. O problema da falta de moradia das classes pobres e classe média está longe de ser resolvido. Os governos que se sucederam criaram bairros (ou cidades) insustentáveis. Essa política de regularizar o irregularizável inchou a Capital. O atual governo propõe criar dezenas de novos bairros. De onde Brasília vai tirar água para sustentar tudo isso ainda é uma incógnita.
Numa cidade onde a escassez hídrica é uma ameaça, não temos prédios públicos com aproveitamento da água da chuva. Brasília se tornou uma cidade insustentável, apesar de tão nova. Repete os erros das cidades mais antigas do Brasil. Cresce desordenadamente, sem qualidade de vida, com bairros sem hospitais, sem unidades básicas de saúde, sem escolas, sem parques, sem bibliotecas públicas, sem teatros, sem transporte público de qualidade e, principalmente, sem sustentabilidade. Pior, sem emprego. Brasília está longe de se tornar uma “smart city”, ao contrário, está sendo “sãopaulistinada”, com o que existe de pior em São Paulo.
Em Brasília os políticos “inventam” vocações para a cidade. Obviamente que essas vocações não dão certo, tampouco se traduzem em soluções eficazes para o desemprego crescente. Usam de grandes eventos como desculpa para trazer “desenvolvimento”, mas apenas os esquemas de corrupção se desenvolvem. Um exemplo foi o que aconteceu durante os preparativos para a Copa do Mundo de 2014. Vimos o estádio Mané Garrincha ser reformado com um superfaturamento bilionário. Três ex-governadores foram parar na prisão. Aqui o que mais cresce é a desigualdade.
Temos um serviço de saúde que não atende a demanda. Com unidades de saúde básica sem médicos. A população tem que dormir nas filas para receber atendimento e perde um dia inteiro pra fazer uma consulta simples. Leitos de UTIs insuficientes e profissionais de saúde em quantidade menor do que o necessário. UPAs usadas como emergências por falta de hospitais. O maior hospital distrital está mal gerido, com denúncias de de corrupção.
A cultura é outro problema. O teatro nacional está fechado há 8 anos. A gestão do patrimônio cultural é vergonhosa para uma cidade que é patrimônio da Humanidade. Se é que podemos dizer que há gestão naquele departamento minúsculo, sucateado e com pessoas despreparadas. Algumas sequer sabem o que são as escalas urbanísticas do plano piloto de Brasília. Os bens tombados da capital do Brasil estão literalmente tombando, por falta de política de conservação.
Na área social aumentou o número de pessoas na miséria e em situação de rua. As ONGs de assistência estão fechando. As pessoas estão dormindo nas filas dos CRAS (Centros de Referência de Assistência Social) sem atendimento. Na educação, milhares de crianças continuam sem creches. O atendimento para alunos especiais é deficiente e o programa para alunos com altas habilidades corre o risco de parar por falta de professores capacitados. A violência nas escolas cresceu e o efetivo do batalhão escolar diminuiu. Há cortes federais na UNB e insegurança.
Com tudo isso, o futuro da capital federal está comprometido. A tendência é aumentar a desigualdade, a marginalidade e a insegurança. Brasília pode chegar ao nível de violência do Rio de Janeiro por falta de ação do Estado, sobretudo por causa do crescimento desordenado.
E a solução, qual seria? Seria pelo voto consciente. Mas, pelo que estamos vendo nas pesquisas eleitorais, infelizmente, parece que a melhor saída para Brasília, hoje e no futuro, é o aeroporto internacional.
– Leiliane Rebouças é internacionalista e autora do livro: “Vizinhos do Poder” sobre a História de Brasília