– Corre que lá vem bala!
Caco, 16 anos, nascido e sobrevivendo na Rocinha, ouve o grito de alerta e
puxa o irmão de 13, apelidado de Ximbita por ser magrelo. Saem correndo
de mãos dadas, acompanhados por outros adolescentes assustados e
mães corajosas. “É bala de polícia ou de bandido?”, pergunta Zelita, mãe
de 3 meninas, já correndo. “Sei lá, zorra, mata ou esfola do mesmo jeito. É
pra lascar com a gente”, grita Germana, costureira de fantasias, habituada
a tais ataques.
Isso acontece nas milhaaaaares de favelas do Brasil, no alto dos morros ou
na lama do chão. Os governantes não realizam obras para dar condições
de vida a milhões de favelados. Nessas áreas vicejam a miséria, o
banditismo e o crime. Os governos nada fazem, os bandidos assumem o
comando das violências contra comunidades desprotegidas. Bandidos e
policiais-bandidos, daqueles que tentam esmagar o pescoço de uma
senhora quase desmaiada, apertando-o com a bota.
A punição nesses casos é o deslocamento do policial para exercer
“funções internas”. Ou seja, entre as funções externas estão a agressão
covarde à população, jovem ou adulta. A função interna é paparicar o
chefe e evitar a punição. Os abusos policiais não tem limites e o mais grave é que atingem adultos e crianças de idades variadas. Sempre
dizendo terem sido atacados por assaltantes e agido em defesa própria.
A violência e a criminalidade urbana é cada vez mais acentuada e nem
sempre a polícia e outras forças de segurança, mesmo nos países
desenvolvidos, conseguem resultados satisfatórios ao combatê-las. O
crime, como a corrupção, tem sido de difícil combate até os dias atuais. A
existência de uma legislação rigorosa anticrime, punições severas para os
criminosos e restrições às reduções de penas e excessos de habeas corpus
poderiam tornar mais sombria a vida da bandidagem e dos corruptos.
Mas aí vem algo de novo, uma iniciativa meio temerária do Presidente da
República que, segundo os defensores da medida, ao menos dará às
vítimas a oportunidade de se defender. E, de garantia, acertar uns
tirombaços naquele que tentou assaltá-lo, ou matá-lo. O Presidente deve
entender disso, porque como militar lidou com armas e artilharia. Deve
ter pontaria razoável, pelo menos.
Assim, está relativamente perto o dia em que os adeptos das armas de
fogo terão oportunidade de comprar, usar, portar, exibir, se divertir e
sonhar com uma bela espingarda. Ou um revólver igual ao de John Wayne
em seus melhores filmes de faroeste. Aha!, aí o crime, os bandidos, os
traficantes, os malfeitores, os simples inimigos vão levar tiro por todo o
lado. E, supostamente, vai baixar o índice per capita de bandidos, ladrões
e assassinos no Brasil.
A nova legislação, que vai liberalizar o porte e a utilização de armas em
geral está em debate na Câmara e no Senado. Diante do que é agora, vai
ser um liberou geral. Se for aprovada, já há quem afirme que em plenário
vai dar três tiros para o alto, em comemoração. “Esta é um casa liberal.
Podem dar seus tiros, mas só do lado de fora”, aconselhou um veterano parlamentar.
— José Fonseca Filho é jornalista