Maria da Graça Costa Penna Burgos. Uma baby plural, absolutamente fatal, quem sabe, profana, grandiosamente Gal, aos 77 se foi…
“Eu vim/Eu vim da Bahia cantar/Eu vim da Bahia contar/Tanta coisa bonita que tem/Na Bahia, que é meu lugar/Tem meu chão, tem meu céu, tem meu mar/A Bahia que vive pra dizer/Como é que se faz pra viver…”. Chegou no Rio, em 1965, “(n)Um dia de domingo”, caía uma “Chuva de prata” na cidade, mas, mesmo assim, o céu estava “Azul”. Chegou cheia de “Sorte”. Sonho “Real sorte” e se fez festa na capital e “Festa do interior”, lá “No rancho fundo”, um “Balancê” geral. Foi morar na casa da prima Nívea, dispensou o “Hotel das estrelas”. Na Cidade Maravilhosa comeu “Merengue”, “Açaí” e “Vatapá”. Bebeu leite da “Vaca profana”, bebeu “Cajuína”; uma espécie de “Vapor barato” que a deixava à “Flor da pele”.
Quando sentiu saudades da Bahia, cantarolou “Hino do Senhor do Bonfim”. Movida por uma “Força estranha” e pela “Luz do sol’, realizou o “Sonho meu”, — dela na verdade. Faria tudo “Outra vez”, havia descoberto “A Felicidade”. Tudo era e estava “Divino maravilhoso”; uma “Aquarela do Brasil”.
Tudo aquilo era um ”Barato total”, chegou disposta a “Canta(r) (para o) Brasil”. Cantou para “Charles Anjo 45”, para “O Amor”, para “O menino”, para “Marcianita”, para “Maria Bethânia”, para “Maria Joana” ou, simplesmente para as “Maria, Maria(s)”. Cantou com sua voz maviosa, seus agudos inigualáveis.
Conheci Gal, apresentada por um amigo, de infância, – Américo José. Tudo aconteceu numas dunas mágicas, ali nas escaldantes areias, banhadas pelo mar da República Independente de Ipanema, à altura da rua Teixeira de Melo chegando na Farme. Era o Pier de Ipanema. Espaço superdemocrático, na faixa de areia, ao derredor da construção do emissário submarino. Por lá circulavam hippies, artistas, jornalistas, surfistas, uma montanha ‘istas’ das mais variadas tribos urbanas, que ali se reuniam para mostrar que “essa gente bronzeada tem seu valor” e otras cositas más, aqueles combustíveis psicodélicos da década mágica. Daquelas sílicas encantadas, saiu poesia, música, contracultura e ficou resistência. Foi lá que, Carlos Leonam, ao lado de Leila, Glauber e, parte da intelligenza carioca, sacou um pôr do Sol “tipo exportação” e lançou a primeira salva de palmas ao Astro-rei, que cansado de mais uma epopeia carioca, buscava Morpheus para um chope gelado no Caneco 70.
Gal era tão assídua, que se traduziu em nome do espaço: “As dunas da Gal”, “as dunas do barato total”. Era um dia de semana, eu estava em férias escolares. Encimado em meus debutantes anos adolescentes, olhei aquela deusa, num misto de atônito e embevecido, excitação e agitação, êxtase e encantamento. Dois beijos trocados, várias palavras reciprocadas… era Gal, “Fatal”. “Legal”, como uma obra marginal de Hélio Oiticica.
Ainda ecoa em mim seu “Oi”, “Meu nome é Gal”, ecoa nas paredes da memória; reverbera. Eu tinha 15, ela quase trinta. Foi “Fatal”, amor platônico instantâneo, imediato, sublime. Estava “Apaixonado”, buscava na mente “As coisas que Caymmi cantou” pensando em recitá-las. Era inútil; “Ascende o crepúsculo”, nada vem à mente. “O Tempo e o vento” passam, eu ali diante da deusa e nada, minha “Musa cabocla”, minha “Musa de qualquer Estação”. Nada, absolutamente nada.
Vivemos no país da Gal que, diante de todas as barafundas e incongruências, salvou a pátria com sua voz, seu carisma, seus esotéricos olhos de “Índia”, foi contra toda a estupidez reinante. Cantou em versos, o “Brasil samba que dá…”, e, com grande alegria, com muita cortesia, cantou com veemência para o povo do Brasil…