Ainda durante a campanha eleitoral, Bolsonaro deixou claro que as questões ambientais não seriam prioridade em seu governo. Logo após a eleição, anunciou a extinção do Ministério do Meio Ambiente, que teria suas atribuições transferidas para uma mera secretaria do Ministério da Agricultura.
A ideia só não foi concretizada porque recebeu uma chuva de criticas do próprio agronegócio. O ministro da Agricultura a época, Blairo Maggi, foi o primeiro a se manifestar contra a intenção do futuro presidente. A partir daí, várias entidades do agro saíram em defesa do MMA.
Maggi sabia do que estava falando. Passou boa parte da sua gestão tentando convencer o mundo, em especial a Europa, que o agronegócio brasileiro era sustentável. Viajou pelos quatro cantos do planeta levando consigo dados da Embrapa Territorial, confirmados depois pela Nasa, mostrando que mais de 60% do território nacional ainda está coberto por florestas nativas.
A narrativa fez parte das várias rodadas de negociações entre o Brasil e União Europeia, sempre cética em relação aos nossos produtores. Não foram poucas às vezes em que o governo brasileiro se defrontou com cobranças e críticas aos produtos agropecuários brasileiros.
Tive oportunidade de acompanhar pessoalmente algumas reuniões entre representantes do governo brasileiro e da União Europeia durante as negociações para o acordo Mercosul-UE. O jogo é duro. Os europeus são arrogantes e pegam pesado nas criticas ao Brasil. Além disso, existe, de fato, um grande interesse comercial por trás do discurso ambiental. Mas não se pode deixar de reconhecer que a preocupação com o meio ambiente é um tema caro à população europeia.
Além disso, o governo precisa levar em conta os números da balança comercial do agro brasileiro em relação à UE. Enquanto exportamos mais de U$ 13 bi em produtos agropecuários – frutas, carnes e grãos. Compramos deles pouco mais de U$ 1 bi.
É um mercado gigante, gera muitos empregos. O Brasil não pode se dar ao luxo de perdê-lo, especialmente em meio à crise econômica que enfrenta desde 2015.
O mais grave é que todas as questões colocadas em pauta pela Europa estão sendo provocadas pelo próprio governo. Aproveitando os argumentos fornecidos pelo presidente Jair Bolsonaro com seu discurso agressivo, os europeus já sinalizam que vão retaliar o Brasil. O agro, certamente, será o mais afetado.
Em pronunciamento em cadeia de rádio e TV, o presidente Jair Bolsonaro disse que as queimadas existem em todo mundo e que não podem servir de pretexto para retaliações ao Brasil. Amenizou o discurso, mas talvez seja tarde.
As mudanças nos rumos da política ambiental do governo fomentou a crise com a Europa. As queimadas nessa época do ano são recorrentes. Com número de focos de incêndio em anos anteriores até maiores que os atuais, a forma como o governo reagiu tornou a crise muito mais grave.
O acordo Mercosul-UE, concluído no mês passado após anos de negociações, já está ameaçado. França e Irlanda, países concorrentes do Brasil no agro, já anunciaram que não votarão a favor do acordo se o Brasil não cumprir os compromissos ambientais assumidos na cúpula do G-20.
Para completar o quadro de calamidade, ao invés de tentar acalmar os ânimos e mostrar que o Brasil está cuidando do seu patrimônio ambiental, Bolsonaro atirou críticas a esmo.
Primeiro, acusou sem qualquer indício, as ONGs ambientalistas que atuam na Amazônia de provocar os incêndios. A declaração não foi bem recebida no mundo. O líder global para a prática de alimentos da WWF, o brasileiro João Campari, disse estar “chocado” com o que chamou de “impropérios” do presidente.
É certo que existem muitas ONGs que trabalham por interesses que vão além da questão ambiental, mas também há aquelas que trabalham de forma séria e responsável e que são respeitadas no mundo. Não é papel de um presidente fazer acusações sem provas, como se estivesse conversando com amigos em um boteco.
Bolsonaro disse ainda que os governadores da região Norte “não moviam uma palha” para combater o fogo, criando uma crise política interna. Por fim, colocou os produtores rurais na roda dos possíveis responsáveis pelas queimadas.
O agro ainda apoia o presidente Bolsonaro, mas parte do setor não está gostando da forma como a questão ambiental está sendo conduzida pelo governo. Os ex-ministros da Agricultura Kátia Abreu e Blairo Maggi alertaram para os problemas que o agro pode enfrentar e suas consequências.
Se perder o apoio do setor, ainda no primeiro ano de governo, vai ficar difícil para o presidente Bolsonaro conseguir aprovar qualquer proposta no Congresso. Talvez até mesmo de se manter no cargo. O agro tem dinheiro, é influente e possui uma forte bancada parlamentar tanto na Câmara quanto no Senado.
No pronunciamento que fez em cadeia de rádio e TV, Bolsonaro baixou o tom das críticas. Mas precisa segurar a língua e entender que um presidente da república não pode sair por aí disparando acusações sem prova.
Daqui a pouco o presidente vai culpar o Caipora – ser mítico do folclore nacional protetor da floresta – pelas queimadas na Amazônia.