Depois que publicou “Sagarana”, João Guimarães Rosa foi visitar um primo que tinha terras perto do Rio São Francisco. Foi nessa viagem, em 1952, que o escritor e diplomata conheceu o vaqueiro Manuel Nardy, capataz e cozinheiro das tropas de boiadeiros que viajavam pelos sertões de Minas Gerais.
Rosa percorria o interior para colher histórias e referências para livros futuros. Não abriu mão da companhia daquele magrelinho astuto que trabalhava na fazenda do primo. Ao longo das jornadas a cavalo, o boa-praça Manuel revelou-se mais que um guia de caravanas. Transformou no sábio personagem Manuelzão de “Grande Sertão, Veredas” e “Corpo de Baile”.
Pois bem. E por que estou me referindo a essa história?
Em 1991, recebi o Prêmio de Fotografia da Fundação Vitae, de São Paulo. Uma bolsa que me permitia retratar e entrevistar oitentões e noventões famosos, brasileiros queridos e de respeito. E assim, estive com personagens que listei. Por exemplo, Mário Lago, Rachel de Queiróz, Dom Hélder Câmara, João Cabral de Mello Neto, Altamiro Carrilho, Dercy Gonçalves, Silvio Caldas, Paulo Gracindo, Braguinha, Grande Otelo, Orlando e Claudio Villas-Boas, Zé Kéti, Henriqueta Brieba, Mário Quintana e outras estrelas da cultura do nosso país.
E agora chegava a hora de estar com Manuel Nardy. Era um dos cinquenta oitentões e oitentonas de respeito que acabaram por figurar no meu livro “Senhoras e Senhores”.
Manuelzão morava na pequenina cidade de Andrequicé, a 200 quilômetros de Belo Horizonte. Fui até lá fotografá-lo, pouco antes de sua morte, aos 93 anos. Por ter a fama de ser inspirador e personagem literário dos mais importantes livros de Guimarães Rosa, esperava encontrar um sujeito cheio de empáfia e soberba. Que nada! Era exatamente o contrário.
Poucas vezes vi exemplo de singeleza e simplicidade. Típico mineiro. Retraído, reservado, fala mansa, comedido. Franzino, botinas de couro cru, cigarrinho de palha preso na dobra da orelha, e chapéu de feltro. Caminhava com o auxílio de um cajado de madeira. As longas barbas brancas e o temperamento sereno, faziam lembrar a figura de um eremita.
Quando perguntei a Manuelzão sobre estar chegando aos 90, ele respondeu-me com a sabedoria que adquiriu ao longo de sua vida de caminhadas pelo interior:
– Gente nova tem força. Gente velha tem jeito.
Como se diz na linguagem de hoje: simples assim. Gente nova tem força. Gente velha tem jeito.
Orlando Brito