Sozinhos no paraíso. Ou uma taça de Pernod e o turismo da solidão

Cancún: o japonesinho perdido no silêncio do hotel e seu notebook

Interessante como a gente se depara com situações as mais diversas vivendo o dia-a-dia, por onde quer que andemos, seja aqui no Brasil ou no Exterior. Porém, mais interessante ainda é encontrar várias situações incrivelmente parecidas.

O filósofo canadense Marshall McLuhan, falecido nos idos de 1980, dizia em um de seus textos que “no futuro, o lugar mais adequado para uma pessoa estar só será um grande hotel de luxo”. Curiosa teoria do mestre McLhuan.

O professor McLuhan buscava compreender a relação das pessoas com o espaço geográfico e o comportamento delas diante da modernidade. Foi autor de quinze livros, entre eles o referencial O Meio é a Mensagem. Sem dúvida, um dos mais brilhantes e levados em conta estudiosos da Comunicação a partir dos anos 1950. Portanto, na época em que a Internet ainda nem existia.

Marshall McLuhan pensava a sociedade contemporânea. Lançou conceitos sobre a vida moderna, cunhou expressões que até hoje ponteiam o nosso cotidiano. Por exemplo, aldeia global e impacto sensorial. Era leitura obrigatória para estudantes, jornalistas, artistas, intelectuais e quem mais quisesse estar inteirado sobre as novidades do mundo.

Mas o que isto tem a ver com Fotografia, meu tema aqui? A ver.

O Brasil – embora seja o país preferido de somente três e meio por cento dos turistas internacionais que procuram o continente americano para suas viagens de férias – oferece um razoável cardápio de opções para recebê-los. As atrações são, por exemplo, os hotéis da costa do Nordeste. As praias têm águas quentes, o sol é permanente e a gastronomia regional imperdível. E, ainda, o calor humano é reconhecidamente característica do nosso povo. Seja em Salvador ou Fortaleza, Recife, Maceió ou Natal, há sempre um grupo de europeus desembarcando para usufruir o verão no Atlântico brasileiro.

O México é classificado em oitavo lugar no ranking das nações que recebem visitantes internacionais. É o preferido de americanos e canadenses que desejam gastar seus dólares com lazer. O México tornou-se nos últimos trinta anos um paraíso repleto de grandes hotéis e resorts caprichosamente construídos no mar do Caribe, especialmente na península de Yucatán, lugar bem distante das crises de fronteira com os Estados Unidos. Em Cancún, por exemplo, as praias de areias finas e águas com azul de todas as tonalidades estão dezenas de hiltons, mariotts, meliás, sheratons, crownes, plazas, hyatts, best westerns …

Na Europa, a quantidade de bons hotéis não é menor. Tanto na França e Inglaterra, quanto na Itália, Espanha ou Portugal. É verdade que, nesse caso, a exuberância da arquitetura moderna das hospedarias é substituída pelo glamour e pelo caráter cultural das cidades. Mas é certo também que todos mantêm um aspecto que toca em cheio a teoria de Mr. McLuhan, além de revelar um viés novo do mercado: o turismo da solidão.

Natal: a loirinha européia sozinha no paraíso tropical. Retrato do turismo da solidão

Pois bem, lembrei-me do “antigo” conceito do filósofo canadense ao chegar à janela de um grande hotel moderno, em Natal, onde me hospedei durante uma viagem de trabalho, meses atrás. Reparei a anônima turista que curtia sua solidão espraiada sob o sol do luxuoso resort na Via Costeira, no meio dos jardins bem cuidados, ao lado das piscinas. Não que o hotel estivesse vazio para seu exclusivo deleite. Ao contrário, havia dezenas de outros hóspedes. Mas o que interessava era ter conforto para estar sozinha mesmo tendo à sua disposição aquele encantador cenário tropical.

Estive meses depois no México, em Cancún. A cidade estava plena de visitantes. Havia turistas de vários países, grupos de amigos, famílias que chegaram até lá com pacotes de viagem, executivos para reunião de negócios, casais em lua-de-mel. Mas tinha, sobretudo, pessoas solitárias.

México: o senhor de paletó e gravata para curtir a piscina e sol do resort

Fotógrafo acostumado a cobrir variados assuntos, sempre viajei para lugares díspares e tornei-me observador de olhar atento nos costumes da sociedade. Assim, pude retratar a jovem loirinha isolada do mundo no litoral do Brasil. Depois, o homem pensativo que vestiu paletó e gravata para tomar sol na piscina do aconchegante resort mexicano. E, ainda, o senhor ensimesmado no hall de um clássico hotel parisiense à espera de ninguém. A acompanhá-lo, nada mais que uma folha de papel em branco, uma caneta e um copo de Pernod com duas pedras de gelo.

Depois de reparar e retratar o japonesinho sentado com seu notebook navegando na Internet, no México, fui conversar com ele. Disse-me que apenas queria estar distante do burburinho das metrópoles e do convívio diário com milhares de desconhecidos no metrô de Tóquio. Mas para não ficar desconectado dos acontecimentos do planeta tinha como fiel companhia seu moderno notebook.

Já o homem pensativo, aquele de gravata na piscina, confessou-me: conseguiu organizar sua solidão. Sentia-se afastado das multidões, de números e contas, das pessoas que desenfeitam sua vida. O ser humano mais próximo era um prestativo garçom que o atendia a um estalar de dedos.

Paris: o homem solitário com sua taça de Pernod

O cinquentão ensimesmado do Hotel Lotti, em Paris, o fotografei em um par de dias seguidos. Da mesma forma, auto-isolado. A fitar a tal folha de papel em branco e a caneta posta ao lado da taça de Pernod.

Quatro décadas depois de ter lido os escritos do professor McLuhan, vi que suas teses “remotas” estão super de acordo com os tempos atuais. Hoje, no ”futuro” que ele predissera o lugar mais adequado para uma pessoa estar só é um grande hotel de luxo. O tal turismo da solidão.

OrlandoBrito

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