Os estudiosos e apaixonados pela música polemizam sobre qual o mais belo verso entre todas as canções brasileiras. Se “a lua furando nosso zinco salpicava de estrelas nosso chão. E tu pisavas nos astros, distraída” ou se “nos seus olhos eu suponho, que o sol num dourado sonho, vai claridade buscar”. Para Silvio Caldas não importava. Até porque tanto em “Chão de Estrelas” quanto em “A Deusa da Minha Rua”, ambas as estrofes estavam nas melodias de seu repertório, cantado durante sua carreira de oitenta e tantos anos de artista.
Silvio Antônio Narciso de Figueiredo Caldas nasceu no Rio, em 1908. O pai tinha uma oficina de consertar instrumentos musicais, além de ser afinador de pianos. Antes de ficar famoso, Silvio foi leiteiro, estivador, garimpeiro, mecânico. Subiu num palco para cantar pela primeira vez ainda menino e só parou em 1998, quando faleceu.
Foi um dos reis da chamada Era do Rádio, com Emilinha Borba, Nelson Gonçalves, Carmem Costa, Orlando Silva, Marlene. Gravou melodias de Noel, Pixinguinha, Chico Buarque, Ary Barroso, Lamartine Babo, Tom Jobim, Braguinha, Roberto Carlos, Caymmi, Adoniran, Dolores Duran, Antonio Maria e muitos outros compositores de igual respeito. Dentre os tantos sucessos de Sílvio Caldas, o maior é “Chão de Estrelas”, que fez em parceria com Orestes Barbosa. Grande sucesso, jamais deixava de cantar em seus shows.
Como fiz essa foto?
Era minha decisão: sem a foto de Silvio Caldas, eu não faria “Senhoras e Senhores”, o livro com oitentões consagrados do Brasil, que a Bolsa Vitae e a sensibilidade do amigo Jack Corrêa possibilitaram-me publicar. Cheguei ao sítio de Atibaia, onde Silvio morava, por volta das 11 da manhã. Acompanhado da mulher Camila, quarenta anos mais jovem, e do menino Roberto, o filho mais novo, levou-me para ver a plantação de frutas e flores, que ele mesmo cuidava.
Era a arma que Sílvio Caldas usava para melhorar o estado de espírito, combater o fantasma da depressão e lembrar-se dos melhores momentos de sua vida. Sentia-se vitorioso aos 84 anos. Afinal, disse-me, havia sobrevivido a duas Guerras Mundiais, revoluções, perseguições e visto acontecer duas epidemias que sacrificaram milhares de vidas, a gripe espanhola e a AIDS.
Na hora da foto, escolhi a posição do pano vermelho que ilustra todas as imagens de “Senhoras e Senhores”. Ele fez questão de posar com violão que ganhara do presidente JK, após uma seresta em Diamantina. Aliás, Silvio Caldas se orgulhava de ter cantado para vários presidentes do Brasil.
Meses depois, na noite de autógrafos, em Brasília – trouxemos também para a festa o palhaço Carequinha, outro personagem do livro –, vi Silvio Caldas, contando histórias e cantarolando para um grupo de convidados o maior de seus sucessos. Recordei-me de quando lhe indaguei em Atibaia sobre os três melhores momentos de sua vida:
— As batalhas de confete dos velhos carnavais, os papos com Ary Barroso e toda vez que cantava “Chão de Estrelas”.
Orlando Brito