Mário Lago teve uma das mais brilhantes carreiras artísticas da música, do cinema, do teatro, da poesia e da televisão do Brasil. Compôs “Amélia”, a que era mulher de verdade. “Aurora”, que seria ótima se fosse sincera. “Atire a primeira pedra”, aquele que nunca sofreu por amor. E outras tantas de igual sucesso, em parceria com letristas e instrumentistas de primeira a partir da década de 1940 até o início desse século, quando faleceu, aos 91 anos. Carioca, formou-se em Direito, ao lado de Carlos Lacerda, Lamartine Babo e Jorge Amado. Ingressou no Partido Comunista e foi perseguido pela ditadura de Getúlio Vargas e pela revolução de 64. Reconhecidamente um dos maiores símbolos da cultura brasileira.
Esse tecido vermelho faz parte do cenário de todas as fotografias do livro “Senhoras e Senhores”. Foi uma maneira que encontrei para ambientar cada um dos personagens que fazem parte dele, resultado de uma bolsa – a da Fundação Vitae – que recebi para retratar virtuosos brasileiros de diversas as áreas de atuação. Para Leônidas da Silva, serviu como pano de fundo. Para Zé Kéti, lençol de cama. Paulo Gracindo, toalha de mesa. Quando cheguei ao apartamento de Mário Lago, na Rua Júlio de Castilhos, em Copacabana, decidi que o tecido seria um tapete.
Depois da foto, perguntei a Mário Lago qual o melhor momento de sua vida. A resposta foi tão surpreendente quanto carregada de humildade. Num sábado chuvoso, esperava um ônibus. Queria ir de Copa para o Cassino da Urca. Ia encontrar-se com os amigos da noite, Orlando e Ismael Silva, Ciro Monteiro, Pixinguinha, Herivelto Martins e Ataulfo Alves, entre outros de igual quilate. Reparou que a dez metros dele, um anônimo apaixonado assobiava uma de suas composições em parceira com Custódio Mesquita, “Nada Além”.
Pois ouvir um incógnito solitário assobiar um dos seus maiores sucessos musicais foi para ele o momentos que mais lhe trouxe satisfação. Mário Lago, frequentador assíduo de bares, cassinos e casas de shows mais importantes e imponentes do Rio, que é autor de canções cantadas por milhões de pessoas, boêmio acostumado aos aplausos e às homenagens de milhões de fãs por sua atuação no cinema e na televisão, sentiu-se consagrado pelo espontâneo assobio de um desconhecido.
Tremenda demonstração de humildade.
Orlando Brito