Os flamboyants, os ipês e as quaresmeiras a florir na visão do general Golbery

Interessante como uma simples fotografia, repleta de cores e agradável de ver, de repente se mistura com a atmosfera de incertezas que atormentam o poder. Algumas pessoas vão à janela e conseguem ver somente o horizonte. Outras, muito mais. Ou seja, a realidade sempre vai além das aparências. Nem tudo são flores.

Os analistas da cena política têm duplo olhar sobre o papel de Golbery do Couto e Silva na história do Brasil. O primeiro, como um dos artífices do golpe militar que depôs o presidente João Goulart, em 1964. O segundo, como um dos arquitetos da redemocratização do País, nos governos dos generais Ernesto Geisel e João Figueiredo. Em ambos os momentos, Golbery foi presença marcante. Era chamado por muitos de “mago”, “vidente”. Por outros, de “bruxo”.

Mas o que tem esse personagem com as quaresmeiras a florir na Esplanada dos Ministérios na Capital Federal? A ver.

Eu era fotógrafo de uma revista de São Paulo e, em um belo dia, pude acompanhar a conversa de Golbery com um editor máster que viajou a Brasília para um encontro com ele, no quarto andar do Planalto. Sentado à cadeira equidistante distante de ambos, liguei meus ouvidos. O general mostrava-se preocupado, reticente, distante. Meu colega então lhe indagou o motivo de sua visível angústia. Afinal, estava caminhando sem percalços a ideia da volta ao regime democrático no país, do qual participaram figuras importantes do cenário político, a exemplo do ministro Petrônio Portela, dos deputados Ulysses Guimarães e Thales Ramalho, dos senadores Marco Maciel e Tancredo Neves, além de outros parlamentares, governadores…

Flamboyants, ipês e quaresmeiras em flor. Sinal de crise para o general Golbery – Foto Orlando Brito

À pergunta sobre sua preocupação, Golbery do Couto e Silva respondeu, com o sotaque gaúcho que ainda conservava, mesmo tendo saído do Rio Grande do Sul quando ainda era cadete do Exército, nos idos da década de 1930. Tomou o meu colega jornalista pelo braço e o levou até o janelão de seu gabinete, de onde se via as lindas árvores em flor e disse:

– Mas bá, tchê!, não vês que os ipês, as quaresmeiras e os flamboyants estão a florir? Isto não é somente uma bela paisagem. É sinal de crise se avizinhando! É mau presságio, claro prenúncio de confusões. Tudo pode acontecer, inclusive o nada. Mas…

É, pode ser. Como disse o general, tudo pode acontecer, inclusive o nada.

Não sei se por coincidência, premonição ou capricho da história, mas o certo é que pouco depois ele próprio deixava o governo do então presidente, João Figueiredo. O ministro Golbery demitiu-se porque discordava da não punição dos responsáveis pelo tenebroso atentado à bomba que explodiu no estacionamento do RioCentro.

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