O ano, afinal, começa nessa segunda-feira (?) ou o problema são os idiotas

Foto Orlando Brito

Convencionou-se dizer e aceitar que no Brasil o ano só começa depois do Carnaval. Em dezembro passado, com a proximidade das comemorações do Natal, do réveillon, do período de férias, com o recesso nos altos tribunais da Justiça, das atividades no Congresso e parte dos serviços da administração federal, o ritmo do país virou lentidão. Só volta ao normal agora, após a folia de Momo. Ou seja, depois de quase três meses, é possível que a faina retorne.

Nas ruas, cenas do demprego – Foto Orlando Brito

Nesse tempo, tradicionalmente chamado de “período de festas”, aconteceram crises, sub-crises, quase-crises, crises grandes e pequenas. Nenhuma delas contribuiu para melhorar objetivamente a situação de cada cidadão. No ano que agora começa persiste a falta de empregos, de oportunidades, a insatisfação das pessoas com a Economia, com os serviços públicos, a decepção com a nova ordem, a desesperança.

Nesse período viu-se também o deprimente ocaso de velhos mitos. Pura melancolia. Houve tresloucadas ações de autoridades equivocadas. Traições, demissões. Cabo de guerra entre subalternos e governantes. Boatos, meias-verdades, vaidades explicitadas ao vivo na tela da tevê e no dial do rádio. Exacerbação de egos deslavada. Adulação à solta. Vazamentos, fake-news nas redes sociais. Mortes estranhas. Crimes. Epidemias. Sem falar das tragédias da natureza a fazer ainda mais sofrer a população.

Sem agenda sistemática e importante nos Três Poderes, pelo menos para o meu caso foi bom para reler clássicos da literatura. Por exemplo, sobre “O Príncipe”, de Nicolau Maquiavel. Livro com mais de 500 anos de idade, mas atualíssimo. Perfeitamente aplicável aos dias de hoje. Aliás, o notável Maquiavel deveria ser obrigatória leitura para jovens repórteres que começam na profissão cobrindo o que há de, digamos, mais importante, a esfera número 1 do poder. Seria tão bom que pelo menos alguns soubessem por exemplo quem foi Getúlio Vargas. E Juscelino Kubitscheck.

Machiavel, o filósofo de Florença

E foi relendo Niccolò Machiavelli, pensador da Firenze do Renascimento, que reencontrei pérolas dos conceitos sobre política, minha área predileta de cobertura. Por exemplo, “não existe poder e prestígio sem mistério”. Conceito que cabe perfeitamente para a história de grandes líderes mundiais de todas as Eras e setores. Faz link de figuras carregadas de enigma. De Cristo a De Gaulle, de Kennedy à Princesa Isabel, de Lady Di a Fidel, de Sinatra a Fellini, de Hitler a Mandela, de Marx a Pancho Vila, de Pelé a Angela Merkel.

A chamada nova ordem mundial trouxe novidades que aceleram as notícias, os fatos, eletrizam o planeta. Tudo. A Internet talvez seja para a humanidade equivalente à Revolução Industrial. As redes sociais deram voz a todos os seres humanos. Seja aos mais humildes ou aos mais abastados. Todo mundo passou a ser porta-voz de si mesmo, conferiu liberdade a cada indivíduo. Ainda que solitários e isolados, sentem-se onipotentes. Isto é uma maravilha.

O cronista Nelson Rodrigues – Álbum de Família

O problema são idiotas. Também para relembrar, o dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues já preconizava tal efeito, na década de 1970: “Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos.” Vemos diariamente governantes preocupados em priorizar a mediocridade, a demonstrar que “o outro lado” é inaceitável. Falta sentimento de grandeza.

Quem anda por aí prestando atenção no mundo sempre ouve — seja na fila do ônibus, na palavra do homem que dirige o táxi e da mocinha do caixa da padaria; da mulher da limpeza ou do rapaz que vigia a porta da farmácia; na ante-sala do dentista, no bate-papo do botequim e mesmo na loja do shopping — que há uma grande diferença entre como está sendo e como deveria ser.

É esperar para ver como será esse ano que agora começa.

 

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