Mesmo em tempos de pandemia, não abandono o front das notícias. Evidentemente, observo e cumpro os procedimentos recomendados para não contrair a Covid. Nas horas vagas de quarentena, porém, aproveito para rever livros de autores de fotografia que marcaram a história. E foi numa dessas que destinei tempo para apreciar novamente a publicação “Milton’s Marilyn, ou seja, Marilyn Monroe por Milton Greene, com mais de 200 imagens maravilhosas da lendária atriz americana.
Dona de uma exuberante beleza, o sucesso da artista é, sem dúvida até hoje, prova de que fama e imagem servem-se uma da outra como produto fatal de sedução. Ainda mais quando se está diante de uma brilhante combinação de glamour e sensualidade, mistério e energia. O fotógrafo Milton Greene, tão americano quanto Monroe, trabalhou durante anos na produção das imagens que fizeram parte da divulgação da venerada loira-morena californiana.
Em 1952 Greene fez sua primeira foto de Marilyn, para ilustrar a capa da Life e, depois, resolveram trabalhar juntos. O livro publicado pela editora Schirmer/Mosel em 1995 é “ilustrado” com textos de James Kitsilibas-Davis e tem até hoje sucesso garantido de vendagem. É que o valioso acervo do fotógrafo, com mais 15 mil negativos e cromos da superstar, foi localizado em meados de 1994, em Varsóvia, e resgatado por seu filho, Joshua.
Também estão nesse arquivo fotografias de outros astros, como Frank Sinatra, Judy Garland, Greta Garbo, Marlene Dietrich e Elizabeth Taylor. Todos eles, mitos e celebridades de uma Era do cinema. Hollywood já vivia os tempos nos quais o mínimo que as estrelas desejavam era o máximo.
Uma curiosidade cerca a trajetória desse arquivo de relíquias fotográficas. Nos anos 80, um empresário polonês, fissurado pela mitologia hollywoodiana, comprou o acervo de Milton Greene. Depois, doou-o ao governo de seu país. Até que chegou o momento de a Polônia ter que reunir bens de valor para saldar dívidas internacionais. Calculado em torno de 20 milhões de dólares, o conjunto de fotos foi oferecido a grandes colecionadores e acabou sendo redescoberto.
Os anos que se seguiram ao fim da II Grande Guerra foram para os Estados Unidos de total velocidade, progresso e crescimento. A certeza de que seu país foi o principal vitorioso no conflito mundial acendeu ainda mais nos americanos o sentimento da auto-estima. Tudo era demais, tudo requeria sucesso, tudo exprimia resultado. O capitalismo exaltava a competição e a competição exultava com o capitalismo. Era o show americano, que boa parte do mundo ocidental viria adotar.
De Norte a Sul, do Atlântico ao Pacífico, em cada estado, em cada cidade, fazenda ou empresa, estava presente a idéia de êxito. A produção garantia a economia. A América concentrava riqueza. Exportava tudo: máquinas, alimentos, tecnologia, ideologia e diversão, o american way of life chamado por seus inimigos de contra-cultura.
Enquanto os demais países combatiam a pobreza, os americanos comemoravam a força do dólar. No interior, grandes safras. No mar e no Alaska, o petróleo. Em vários centros, indústrias as mais variadas. Empregos, trabalho. Em Nova Iorque, as finanças, os investimentos. Mas em Los Angeles estava Hollywood. Aquela grande fábrica de histórias movia de seus cenários na Califórnia para todas as telas do planeta uma fascinante arte chamada cinema. A televisão não tinha ainda muito valor, assim como o cigarro ainda não tinha fama de matador. A Internet ainda nem existia. Fama mesmo quem possuía eram os artistas de Hollywood.
Hollywood era, enfim, um universo onde o visual sempre foi quesito fundamental. Era composto de atrizes e atores, diretores, empresários, fotógrafos, estilistas, roteiristas, poetas, escritores, jornalistas, milionários, playboys, bêbados e etc. Havia muita gente talentosa em todas as áreas. Em cena e fora dela, atrás da caixa registradora ou sobre a cama, Hollywood sempre fascinou a todos. Criou mitos e heróis. Assim como endeusou uns, destruiu outros. Mais que a Paris de Hemingway, Hollywood era uma espetacular festa com luzes, poder, dinheiro, interesses, orgias, intrigas e um só objetivo: o sucesso. Todos os personagens, obviamente, ao mesmo tempo eram protagonistas e escravos da imagem.
Pois foi nesse cenário, que os interesses da bela Marilyn Monroe e do fotógrafo Milton Greene se encontraram, em 1952. Ele, fotógrafo da Life. E ela, uma jovem atriz em busca de coroar-se de sucesso. O resultado do trabalho de ambos não resultou apenas na capa da revista, mas também em uma amizade que durou anos.
Os Estados Unidos orgulhavam-se também de seus mestres da fotografia, já consagrados. Greene — assim como Monroe lutava pelo estrelato — sonhava com um lugar definitivo na galeria de famosos. Tinha uma boa formação técnica, bastante experiência em fotos de moda, estúdio, paisagens, abstratos e até fotojornalismo. Portanto, no encontro com Marilyn, uniram-se as maravilhas de uma personagem em busca da consagração com a avidez de um retratista à procura de um lugar de destaque.
Milton Greene era reconhecido como caprichoso fotógrafo, em cujo trabalho a beleza e a estética eram presença certa. Costumava comparar-se a um pintor. “Uso minha câmara como pincel e o bom gosto do cenário como fundo do meu quadro”, dizia.
A amizade de Greene e Monroe rendeu muitas fotos, utilizadas, em geral, como material de divulgação. Donos de um raro senso de oportunidade e marketing, ambos idealizavam o conteúdo das imagens que distribuiriam à mídia. Calculavam o grau de intimidade, leveza e audácia que as fotografias iriam repassar ao público.
Autor e personagem tinham desenvolvido um bom produto: eficazes peças de uma linda artista. Páginas e páginas, livros e livros foram publicados utilizando as imagens de Milton Greene. Multiplicou-se o fascínio de todos pela artista. Virou sex-symbol.
Marilyn teve três maridos, vários amores e uma incalculável multidão de apaixonados fãs. É incrível como a vida dessa musa americana, estrela de 30 filmes e um dos mais importantes ícones femininos do Século XX, foi repleta de lances tão antagônicos. Pobreza e luxo, sofrimento e prazer, euforia e depressão, felicidade e tragédia.
Aliás, alguns amigos revelaram, após sua morte, que MM estava eufórica com o namoro mais ou menos secreto que mantinha com o jovem presidente John Kennedy. Disseram também que ficou deprimida, quando soube que JFK queria estender a seu irmão, Bob, então secretário de Justiça dos Estados Unidos, as mesmas relações que tinha com ela. Alguns biógrafos da atriz garantem que esta foi a decepção que a levou à morte por ingestão exagerada de soníferos, em 1962.
O certo é que os seus 36 anos de vida intensa geraram uma enorme força para mudar os costumes e a liberdade das mulheres. E renderam também uma quantidade incalculável de fotos que bem representam a importância da imagem na criação de um mito. Pouco antes de falecer, em 1985, aos 63 anos, Milton Greene disse sobre sua famosa amiga, cujo nome original era Norma Jeane Mortenson e que morreu em 1962:
— Os cineastas que me desculpem, mas ela brilhava muito mais nos estúdios de fotografia que nos sets de filmagem.
Para os fãs de Marilyn Monroe, tanto faz. O que interessa é manter viva em sua memória a beleza de sua deusa.
Orlando Brito