A amargura era companhia constante do pintor Iberê Camargo. Gaúcho, mudou-se para o Rio ainda jovem. Transformou-se em um dos mais respeitados artistas plásticos brasileiros, com exposições nos museus mais importantes do mundo. Faleceu em 1994, aos 80 anos, de câncer.
Como foi – A última vez que tinha visto o colega jornalista Flávio Tavares foi em 1985, em Montevidéu, no dia em que ele deixava a prisão. Tinha sido preso político durante o regime militar que governou nosso país e banido do Brasil. Foi exilado no México e novamente preso pelo exército uruguaio. A casualidade fez-me encontrá-lo novamente andando pela Rua Alberto Bins, em Porto Alegre.
Eu estava feliz por ter fotografado Mário Quintana para o livro “Senhoras e Senhores” e já havia desistido de retratar Iberê. Flávio me levou até o artista, seu amigo. No porão da casa, transformado em ateliê, Iberê mostrou-me aquela que seria a última obra de sua vida: uma dramática e tocante série de 12 pinturas. Grandes, do chão ao teto. No primeiro, uma bicicleta solitária percorre um campo de flores coloridas. Nos seguintes, a mesma bicicleta continua sua sofrida viagem.
À medida que percorre seu caminho e os quadros vão-se sucedendo, as flores vão perdendo as cores e as pinturas vão ganhando intensidade. De maneira que na última peça, a bicicleta se apresenta caída, cheia de marcas, ao pé de uma árvore seca sob um céu fúnebre. Impressionado, perguntei-lhe o verdadeiro significado. Então, Iberê pôs-se a rever cada um dos quadros, um a um, olhando-os um a um demoradamente, e respondeu-me:
– Essa bicicleta sou eu mesmo em minha longa caminhada pela vida.
Orlando Brito