A Revolta de Canudos é a mais sangrenta página da história do Brasil. Nos fins do século dezenove, o beato Antônio Conselheiro conduziu a multidão de famintos que o seguia pelo sertão dizendo suas pregações contra a República, novo regime de governo recém-instalado no país.
A caravana de Antônio Conselheiro transformou-se em preocupação número um do governo, na então capital Rio de Janeiro. E a reação àquele movimento foi enérgica. O poder central despachou para lá tropas do Exército. Todavia, foram necessárias quatro expedições militares para sufocar de vez o movimento liderado pelo peregrino nascido no Ceará.
Há controvérsias sobre o número preciso de mortos nas batalhas, mas estima-se que ao final dos combates em torno de 40 mil soldados e conselheiristas perderam a vida.
João Botão, esse senhor aí da foto, foi um dos raríssimos sobreviventes. À época era ainda um menino e viu de perto o sofrimento daquela guerra tão bem contada em detalhes por Euclides da Cunha em “Os Sertões”, um dos livros mais sensacionais da literatura brasileira.
Sobre essa foto aí: Quem quiser conhecer o Brasil profundamente não pode deixar de ir a Canudos. Aliás, de uns anos para cá, a cidadezinha passou a receber visitantes de todos os interesses. São estudantes, pesquisadores, historiadores, fotógrafos. Eu sou um deles. Devo ter ido umas quinze vezes. Também, com um cenário daqueles e os personagens que a gente encontra, impossível não estar sempre por lá. Os amigos Evandro Teixeira e Antônio Olavo fazem a mesma coisa. Ambos, aliás, publicaram magistrais livros sobre o tema. Bons, muito bons.
Na verdade, quando digo Canudos, me refiro a toda região onde a seca é pesada no Norte da Bahia, cenário dos combates entre os seguidores do Conselheiro e as tropas do Exército. Vou a Bendegó, Uauá, Crisópolis, Monte Santo, Euclides da Cunha, Quijingue, Massacará etc. Sertão brabo.
Essa foto do João Botão é parte do que colhi durante uma viagem com Roberto Pompeu de Toledo para uma matéria de Veja, em 1997. João Botão morreu pouco depois de completar cento e três anos. Morava em uma pequena casa de varas coberta por mistura de barro e capim, o sapé. Ao lado, uma igrejinha que ele mesmo construíra para rezar pelos pais e irmãos que morreram no conflito.
Não se encontra mais homem ou mulher que tenha vivido na época do Conselheiro, mas há filhos e netos. Sempre têm histórias para contar e muitos lugares para mostrar, como o lago Cocorobó, que serve de sepulcro para milhares de seguidores do Conselheiro e soldados do Exército.
Orlando Brito