A sombria noite de sexta-feira 13 de dezembro de 1968 é inesquecível. O marechal Costa e Silva, então presidente da República, promulgava o AI-5. Talvez o decreto que mais feriu a democracia brasileira.
O Ato Institucional Número Cinco, que fechou o Congresso Nacional, cassou o mandato de parlamentares, permitiu a tortura, suspendeu o habeas-corpus, estabeleceu a censura à imprensa, ao teatro e ao cinema. E também restringiu várias liberdades, por exemplo, a reunião de pessoas fossem quaisquer os motivos.
A justificativa do segundo presidente do regime militar para tão nefando decreto era garantir à Revolução de 1964 “encontrar os meios indispensáveis para a obra de reconstrução econômica, financeira e moral do país”.
Com a Câmara dos Deputados e o Senado Federal postos em recesso, Costa e Silva passou a governar com Decretos-Lei.
Eu era um jovem fotógrafo e cobria para o jornal O Globo os assuntos da política. Senti que a notícia estava na Presidência da República, mas seu efeito se mostraria no Congresso. Atravessei o Eixo Monumental, a avenida que separa o Palácio da Câmara e Senado. No Planalto não havia nenhuma foto a ser feita, a não ser a de um contínuo aborrecido distribuindo aos repórteres as cópias do ato presidencial.
Eu estava certo. Numa salinha do térreo abarrotada de senhores atônitos, consegui ainda fotografar alguns deputados ao pé do radinho de pilhas ouvindo a leitura da intervenção na Constituição lida em cadeia nacional pelo então ministro da Justiça, Gama e Silva. Entre eles, estavam os presidentes da Câmara, da Comissão de Justiça e o líder do governo, Zezinho Bonifácio, Djalma Marinho e Geraldo Freyre, além de jornalistas e funcionários.
Logo em seguida, todos tiveram de abandonar o edifício do Congresso. Câmara e Senado Federal só foram reabertos dez meses depois para referendar, em eleição indireta, a escolha do novo presidente da República, o general Garrastazú Médici, no lugar de Costa e Silva, acometido por uma embolia cerebral que lhe tirou do poder e da vida.
O nefasto AI-5 só foi revogado dez anos depois, em 1978, pelo general Ernesto Geisel, com o processo de redemocratização do Brasil.
Passadas cinco décadas, hora e outra ouvimos personagens do atual governo ameaçarem a democracia com edição de ato idêntico àquele que mudou a vida do Brasil. Uma deles é o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do capitão que agora preside a República.
Orlando Brito