Vendo agora as comemorações e euforia do povo chileno pela vitória do “Sim” no plebiscito que decidiu pela edição de uma nova Constituição, me lembro da primeira vez que estive em Santiago, ainda nos obscuros tempos do regime do general Pinochet, em 1980.
E como foi?
Nenhum Chefe-de-Estado visitava o Chile de Augusto Pinochet. Mas o general João Figueiredo resolveu ir a Santiago. Os jornalistas que cobríamos o Palácio Planalto e o Itamarati, então, fomos para a cobertura de viagem tão significativa, na época em que a América Latina era praticamente toda dominada por governantes militares.
Naquele tempo era costume os repórteres e fotógrafos credenciados no Palácio Planalto viajarmos para onde quer que fosse o presidente. Do Globo, da Folha de São Paulo, do Estadão, Jornal do Brasil, Correio Braziliense, Correio do Povo, Zero Hora, Jornal de Brasília, Tevê Globo, Gazeta Mercantil, O Liberal, O Estado de Minas, as revistas Manchete, IstoÉ a Veja, as tevês e rádios.
Como parte do protocolo, na manhã cinzenta de Santiago, escolares obedeciam à ordem de agitar as bandeirolas do Brasil e do Chile para a comitiva dos presidentes João Fiqueiredo e Augusto Pinochet. Os generais seguiam para o Palácio La Moneda, sete anos depois do golpe liderado por Pinochet que culminou com a deposição e morte de Salvador Allende.
Antes do golpe do general Pinochet, o Chile era considerado lugar democrático. Lembre-se que vários brasileiros se exilaram em vários países, fugindo do regime militar instalado no Brasil em 1964. E foi para o Chile que, por exemplo, se dirigiram José Serra, Fernando Henrique Cardoso e César Maia, o sociólogo Betinho, entre outros. Aliás, o atual presidente da Câmara dos Deputados brasileira, Rodrigo Maia, nasceu no Chile.
Com a queda e morte de Salvador Allende, os exilados tiveram que buscar novos rumos. Tempos brabos de prisões, censura, violência, tortura e morte, de ditadura.
Mesmo tendo como objetivo fazer cobertura da visita presidencial, alguns jornalistas brasileiros tiveram problemas com a força militar. Eu mesmo e mais dois colegas fomos detidos na Praça da Constituição quando fotografávamos, numa manhã, o Palácio La Moneda, ainda com as paredes cheias de furos das balas, marcas do conflito da tomada poder, em 11 de setembro de 1973. Foi preciso a interferência de um diplomata do Itamarati para nos soltar, depois de muitos argumentos.
À noite, novos problemas. Alguns colegas jornalistas fomos a um restaurante frequentado por políticos, que funcionava nos fundos do edifício do Congresso posto em recesso. Não levamos em conta e nem demos importância ao “toque de queda”, ou seja, à obrigatoriedade voltar para o hotel antes das 22 horas. Não imaginamos que a proibição de andar pelas ruas à noite era mesmo para valer.
Não deu outra. Uma guarnição do exército chileno nos abordou e encrencou com todo mundo. Com Ricardo Pedreira, Álvaro Pereira, Emerson Sousa, Flávio Almeida Salles e comigo. Só fomos liberados depois de convencermos o comandante do pelotão que nos levar para um quartel seria motivo de reportagens mundo a fora e que isto não ficaria bem para “la democracia” de Pinochet.
Escapamos. Quando chegamos ao hotel, cantamos “Gracias a la vida”, da poeta e compositora chilena Violeta Parra.