Em 1976 as eleições nos municípios brasileiros ficaram marcadas pelas restrições impostas pela Lei Falcão. A lei ganhou esse nome de um bajulador que queria adular seu autor, o ministro Armando Falcão, da Justiça. Garantia ao presidente Ernesto Geisel que as limitações nela contidas não permitiriam críticas ao regime militar e seria o bastante para conter o avanço nas urnas dos votos de oposição.
A Lei Falcão admitia que a tevê passasse a mostrar e falar de eleição. Entretanto, no horário permitido pelo governo e fiscalizado pelo Tribunal Eleitoral, só era consentido aos candidatos a prefeito e vereador mencionar a legenda do partido, um brevíssimo histórico do concorrente e seu número ao lado da foto. Para fugir das limitações da lei e na dúvida sobre a eficiência da propaganda eletrônica, os candidatos acreditavam mesmo era na força de sua própria voz, no contato pessoal com o eleitor nos comícios, por menores e menos sofisticados que fossem. Como esse da foto, em Manacapuru, perto de Manaus.
Eu trabalhava no jornal O Globo e queríamos dar ao leitor uma visão de como o pleito se dava nas cidadezinhas do interior. Por isso, elegemos como exemplo a pequenina Manacapuru. Trabalhando no dia-a-dia em Brasília, na pompa do Palácio Planalto, eu sabia que não iria encontrar no interior o mesmo capricho das cerimônias que costumeiramente eu fotografava na Capital Federal. E era justamente esta minha função: captar e repassar aos leitores cenas do clima eleitoral daquela longínqua localidade da Amazônia.
No palanque feito com restos de caixotes de madeira só cabiam cinco pessoas. Os candidatos se revezavam no sobe-desce. A iluminá-los, duas – isso mesmo, duas – lâmpadas cercada de mariposas. O som do alto-falante mal e mal alcançava o ouvido dos trinta ou quarenta presentes.
Pois é. Depois dessa foto aí na singela Manacapuru, subi em mil palanques nas campanhas presidenciais. Grandes comícios, mega-comícios, sofisticados comícios, showmícios, milionários comícios, cheios de layouts arrojados, displays, jingles e back-lights. Hoje, às vésperas de uma eleição presidencial, vejo que tudo realmente mudou. Agora vemos a liberdade que os candidatos têm para expôr suas idéias seja nas redes sociais ou nos modernos programas do horário eleitoral da propaganda política. E mais, os candidatos ganharam uma grande novidade para comunicar-se com o eleitor: os debates nas grandes redes de televisão.
Tudo bem. Mas esse singelo comício aí da foto nunca me saiu da lembrança. Tão mambembe e tão simbólico.
Há pessoas desavisadas, ou sem memória, ou ainda sem conhecimento histórico que afirmam e reafirmam o desejo de votar em branco nas próximas eleições. Não têm o menor conhecimento da força de sua própria opinião, do seu próprio direito. Na verdade, não têm respeito por si mesmas. Nem pelo exercício da democracia.
Não sabem o quanto se fez, o quanto se lutou, o quanto se foi preso, o quanto se chorou e, enfim, o quanto se sofreu para termos o direito de usar o próprio voto para contribuir com o destino do País.
Não se lembram ou não tem conhecimento daquela verdadeira cruzada em favor do voto direto para eleger o presidente da República. Contava com a participação de vários políticos, empresários, atletas, jornalistas, intelectuais e, enfim, gente de todos os ramos da sociedade lideradas por doutor Ulysses Guimarães. A cada comício o Diretas ficava mais robusto, ganhava adesão popular de brasileiros de todas as classes. Foi o caso desse aí, em São Paulo.
Imagine se os 147 milhões de brasileiros que têm direito de escolher o próximo presidente da República preferissem não fazê-lo…