Ano de 2010.
Rodovia que entrecorta a Chapada do Araripe, na divisa dos estados do Ceará, Pernambuco e Piauí: na pequena carroça, a mudança de uma família da região. Seu Francisco, a mulher, os três filhos, uma cadelinha, uma tevê, um espelho quebrado, um carrinho de mão, algumas panelas e muito bom humor.
O compositor Adoniran Barbosa, falecido em 1982, era um dos reis da crônica popular musical do Brasil. Quem não se lembra do “Trem das Onze”, de “Saudosa Maloca” ou de “Iracema” e tantas outras melodias que exprimem com dureza e maestria a realidade das pessoas de vida simples?
Suas músicas narram o drama sentimental e cruel de uma situação. São “fotografias musicais” de um acontecimento, de uma personagem.
Na letra da canção “Despejo na Favela”, Adoniran conta a terrível hora de um pobre operário deixar o barraco em que mora, “cumprindo ordem superior”. Resignado, o pacato cidadão diz ao Oficial de Justiça que sua mudança “é tão pequena que cabe no bolso de trás”. Sintetiza sua pobreza numa mistura de franqueza e pureza.
Sempre que posso, viajo para o interior desse paraíso de imagens que é o Brasil. Vou em busca de fotos diferentes do meu dia-a-dia na cobertura do poder em Brasília, repleta de senhores de paletó e gravata e vida sofiticada. Dessa vez eu estava longe dos gabinetes envidraçados e salões entapetados. Estava no coração do Nordeste. Foi quando me deparei com essa cena que me comoveu.
Não tive dúvida, no mesmo momento parei o automóvel para retratar seu Francisco, a mulher e os três filhos pequenos.
A mudança de toda a família era tão pequena que cabia na pequena carroça que os tranportava, de pneus carecas e puxada pelo jumentinho amigo. Achei a situação bem parecida com a canção do saudoso e brilhante Adoniran.