O escritor português José Saramago recebe as correspondências que chegavam a seu endereço de Lisboa. 1993.
Em 1991, o laureado José Saramago resolvera mudar-se para Lanzarote, uma das ilhas Canárias, depois que seu livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo foi censurado em seu próprio país. Ao lado da mulher espanhola Maria Del Pilar, ele dizia ter encontrado no lugar dois fatores ideais para meditar e escrever: silêncio e tranquilidade. Tranquilidade e silêncio no cenário de crateras e vulcões adormecidos do arquipélago atlântico.
O colega jornalista Luís Costa Pinto e eu viajamos para fazer várias matérias em Lisboa, então um canteiro de obras porque Portugal havia sido admitido na Comunidade Europeia e arriscamos um encontro com José Saramago. Não foi difícil localizá-lo, consultamos a lista telefônica e lá estava o número em “Saramago, José”. Tivemos sorte. Ele mesmo atendeu a chamada e marcou hora para irmos à sua casa. Primeiramente, quis saber de quatro brasileiros, seus conhecidos: Jorge Amado, Roberto Pompeu de Toledo, Fernando Morais e José Sarney.
José Saramago nos deu uma longa entrevista, nos contou que não tirou o pé de Lanzarote durante meses. Disse que, enfim, podia escrever um diário de sua temporada na ilha. Queria narrar a vida pacata naquela aldeia, “uma pequena novela de um personagem só”.
O certo é que naquele início de 1993, coincidindo com nossa estada lá, o escritor estava de passagem por sua residência lisboeta para conferir a correspondência. Afinal, um ganhador do Prêmio Nobel de Literatura – e também do Prêmio Camões – recebe cartas de admiradores e amigos de todas as partes do mundo.
O carteiro já sabia que dificilmente encontrava o famoso destinatário e por isso confiava todas as correspondências que vinham pelos correios ao dono da Quitanda Mascote, uma pequena mercearia vizinha do modesto apartamento de Saramago, à Rua dos Ferreiros, número 36-A, no Bairro da Estrela, um dos mais tradicionais da aprazível de Lisboa. Foi lá que fiz essa inusitada fotografia.
José Sousa Saramago – ateu e ativista do partido comunista – escreveu livros admiráveis, entre eles, Memorial do Convento, O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Levantado do Chão, Conto da Ilha Desconhecida, Ensaio Sobre a Cegueira etc. O escritor, teatrólogo, dramaturgo, jornalista e poeta, nascido na freguesia de Azinhaga, na região do Alentejo, faleceu em 2010, aos 78 anos, na pequena cidade de Tias, província de Las Palmas, na Espanha, terra de sua mulher.