Já faz muito tempo, quando eu era ainda um estudante do ginásio no Colégio Dom Bosco, ouvi do professor de história as palavras atribuídas a Voltaire, cujo nome original era François-Marie Aouet. O escritor iluminista francês filosofava sobre a existência ou não de um fato:
— Um cego, à meia-noite, num quarto escuro, procurando uma azeitona preta que não existe.
Tornei-me fotógrafo e o dito de Voltaire repetido pelo professor Sandin jamais me saiu da lembrança. Claro, jornalistas lidamos com acontecimentos, fatos e, no meu caso mais ainda, com a imagem real de alguma coisa. Não se fotografa o nada.
Nem sei quantas vezes, perdi a conta, o quanto fiquei à toda luz do sol de olho atento, ao meio-dia, diante de uma porta aberta à espera de um personagem que estava lá.
Foi o que me aconteceu na tarde desse sábado. Cobrindo a chamada seara do poder, não desligo um minuto dos nomes que ponteiam o notíciário. Há décadas estou no front do que acontece. Ainda mais nos tempos atuais, diante de duas crises: de pandemia e de governo.
Jair Bolsonaro saiu cedo para uma viagem de helicóptero ao interior de Minas Gerais. Passou horas por lá. No fim da tarde, retornou a Brasília. Como estou finalizando um livro sobre os 13 últimos presidentes da República, não queria perder a chance fotografá-lo em seu desembarque no Palácio Alvorada.
A distância que separa a porta da residência presidencial do local destinado à imprensa é muito grande. Porém, minhas inseparáveis Leicas sempre me possibilitam retratar as cenas que acontecem ao longe. Difícil enxergar a olho nu, ainda mais tendo no meio da visão um portão de ferro.
Mas aí está a foto de Jair Bolsonaro, parado na porta do Alvorada, ladeado por seus agentes de segurança. O que fazia alí, estático, de braços cruzados, durante minutos, não sei.