Logo após determinar luto oficial pela morte de seu amigo e inspirador Olavo de Carvalho, na semana passada, Jair Bolsonaro decidiu revogar decretos de presidentes que o antecederam no Planalto. Dentre os nomes riscados da lista de homenageados pela República estavam personalidades que mereceram o ritual de hasteamento de “Bandeira a Meio Mastro” nas repartições públicas. Por exemplo, o ex-senador, historiador e antropólogo Darcy Ribeiro. Também Santos Dummont, o “Pai da Aviação”. Mais, o lendário Padre Cícero; o ex embaixador Roberto Campos; o jornalista Roberto Marinho, e Dom Helder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife.
No sábado, 29 de janeiro, Jair Bolsonaro decidiu voltar atrás. Publicou nas redes sociais que tornaria sem efeito seu ato de exclusão das históricas figuras : “Tendo em vista o apelo popular para que todos esses decretos permanecessem vigentes, em respeito à história e à memória dos falecidos, tornarei sem efeito as revogações dos 122 atos, independente do governo que os decretou ou da personalidade homenageada”.
Por isto lembrei-me de um desses notáveis, Dom Hélder Câmara.
Pelas leis do Vaticano, todos os cardeais — com exceção daquele que se torna Papa — são obrigados a se aposentar quando chegam à idade de 80 anos. Não foi diferente com o irrequieto Dom Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife por mais de duas décadas.
Em 1990, teve de deixar para trás sua infatigável e ideológica vida religiosa. Mudou-se do Palácio Episcopal para a pequenina Igreja de Nossa Senhora das Fronteiras, no bairro da Boa Vista, na capital pernambucana. Até o momento de sua morte, em 1999, manteve a simplicidade que trouxe da infância pobre no interior de Pernambuco e no Ceará, onde nasceu.
Mesmo quando morou na sede da Santa Sé, em Roma, Dom Hélder abriu mão da humildade e da modéstia. Para ele, o mais importante não era a ostentação e sim o combate às desigualdades sociais.
Aposentado, com atividades menos atribuladas acordava religiosamente cedo e celebrava a missa às sete da manhã, auxiliado por uma freira e um frade. Depois, sentava-se em uma cadeira de balanço, sob a imagem de Jesus, para contar histórias e relembrar os tempos em que enfrentava o regime militar do Brasil, ele que foi um dos seus principais contestadores, defensor dos direitos humanos e políticos. É conhecida sua incansável atuação em favor das causas sociais e assistência aos pobres. Em 1972, por sua luta a favor da democracia, justiça e liberdade, Dom Helder foi indicado para o Prêmio Nobel da Paz.
Estão em análise no Vaticano os documentos que formam o processo de pedido para que Dom Hélder Pessoa Câmara, nascido em 1909, seja santificado. É, na verdade, a fase inicial do caminho tradicional que a Igreja Católica exige para que um cristão seja beatificado e, depois, canonizado. Ou seja, ser santo. A postulação é datada de 2015 e de autoria do Frei Jociel Gomes. Fazem parte dos documentos enviados para análise em Roma em torno de duzentas páginas. São depoimentos, relatos, laudos, pareceres e testemunhos com detalhes de casos considerados milagres.
Foi na histórica Igreja das Fronteiras que fiz essa foto aí, de Dom Hélder Câmara com a imagem de Cristo sobre o armário da sala e o pano vermelho que usei para emoldurar o cenário de todas os personagens que retratei para o livro “Senhoras e Senhores”, cinquenta respeitados oitentões e noventões do Brasil.
Orlando Brito