Nesse domingo, os eleitores de Recife vão às urnas para escolher seu novo prefeito. Se Marília Arraes ou João Campos. Ela, neta de Miguel Arraes. Ele, bisneto. A campanha de ambos elevou a temperatura a um ponto que expõe de maneira inesperada desavenças familiares. Nas redes sociais da Internet — com notas, áudios e vídeos — Marília, candidata pelo PT, e João, pelo PSB, trocam ofensas que deixam os eleitores em dúvida sobre sua decisão na hora da urna.
Por isso, bom relembrar em poucas palavras a história de Miguel Arraes.
Durante o regime militar que dirigiu o Brasil de 1964 a 1985, havia o clamor pela volta de líderes forçados a buscar exílio no Exterior. Com a Lei da Anistia, finalmente sancionada em agosto 1979, personagens que tiveram seus direitos políticos cassados pela Revolução puderam retornar ao País.
Um desses foi Miguel Arraes de Alencar, deposto do cargo de governador de Pernambuco em 1964. Foi preso. Primeiramente em uma cela do IV Exército, em Recife. Depois, confinado por onze meses na Ilha de Fernando de Noronha e, ainda, na Fortaleza de Santa Cruz, no Rio. Amparado por um habeas-corpus do Supremo Tribunal Federal, conseguiu asilo na Argélia. Acusado de subversão, foi condenado à revelia pela Justiça Militar pernambucana.
Em agosto de 1979, o general João Figueiredo era o presidente e assinava a Lei da Anistia. Assim, abriram-se as portas para a volta de milhares de brasileiros que tiveram de buscar asilo em outros países durante o regime militar. Entre tantos anistiados, estava, por exemplo, o professor Fernando Henrique Cardoso. E dos retornados, o jornalista Fernando Gabeira e o sociólogo Betinho, o irmão do Henfil; Leonel Brizola e Darcy Ribeiro; o economista Celso Furtado; José Serra e César Maia; Vladimir Palmeira e Márcio Moreira Alves etc.
O ex-governador de Pernambuco também estava de volta. Em seu desembarque, a multidão de 50 mil pessoas gritava “Arraes taí!”. Representava novos tempos da democracia. Para retomar a vida pública, doutor Miguel Arraes de Alencar fez várias viagens pelo país, fixou novamente residência em Recife e, sobretudo, manteve contato com líderes da oposição.
Pois foi durante um encontro com Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Fernando Lyra, Marcos Freire e outros destaques de então que fiz essa foto aí para a Veja, revista para a qual eu trabalhava. Vi a carregada expressão de Miguel Arraes observando o movimento da rua, olhando pela janela do apartamento onde morava doutor Ulysses, então presidente do PMDB. Achei muito significativa a ocasião: parecia apreensivo, ainda temeroso. Deixava para trás os anos de chumbo e, agora com as luzes da democracia, mostrava novamente sua face. Ao retomar a carreira na política, elegeu-se duas vezes deputado federal e governador.
Arraes fora também prefeito de Recife, de 1960 a 1963. Depois, governador, cassado. Anistiado, retornou ao Brasil. Teve mandato de deputado federal e foi novamente eleito governador. Tido como mão-forte durante uma greve de estudantes, em uma manifestação em frente ao Palácio das Princesas ouviu o bordão “Arraes, caduco, Pinochet de Pernambuco”.
Doutor Miguel Arraes faleceu em 2005, aos 89 anos. O Palácio das Princesas, que ele habitou em três ocasiões, foi também ocupado pelo neto Eduardo Campos, falecido num acidente aéreo em Santos, em agosto de 2018, durante a campanha para Presidente da República.
E agora em 2020 tanto a neta de Arraes quanto seu bisneto, Marília e João Campos, atualmente deputados federais, são candidatos à prefeitura da capital pernambucana.
Orlando Brito