O ministro da Cidadania, Osmar Terra, deu o pontapé inicial nos preparativos para as jornadas histórico-culturais e as festividades dos 200 anos da independência do Brasil, a serem comemorados em 2022. A partir de 6 de janeiro, o Dia do Fico e o Grito do Ipiranga, em 7 de setembro. O Brasil viveu momentos eletrizantes. A crise política e seus desdobramentos, que resultaram no Brasil de nossos dias, serão rememorados.
A extinção do Reino Unido de Portugal. Brasil e Algarves e a criação do Império do Brasil, unindo sob um único estado o antigo Reino do Brasil e as duas colônias portuguesas remanescentes, o Grão Pará, com capital em Belém, e Cisplatina, com capital em Montevidéu, foi uma decisão estratégica de grande relevância concebida por José Bonifácio de Andrada e Silva. Esse projeto conseguiu unir todas as facções do mundo lusitano na América do Sul. Foi um grande feito político.
A comemoração daqueles episódios será um projeto do atual governo e já tem uma comissão em formação para tratar do assunto, implementada pelo ministro Terra no âmbito do antigo Ministério da Cultura, organizado pelo titular da Secretaria Especial de Cultura, Henrique Medeiros Pires, que faz as vezes da antiga Pasta. Nesse projeto serão revisitados aqueles acontecimentos, sob um olhar moderno que mal-e-mal são mencionados pela historiografia contemporânea.
Em resumo, qual o desafio aos estadistas daquele momento? Eles herdaram um país fragmentado, com quatro centros secundários de poder, quais sejam: São Paulo e o extremo sul; Bahia e Recife com o atual Nordeste; além, é claro, o Rio de Janeiro que concentrava 70 por cento do PIB do Reino. Mais o Norte (incluindo Maranhão e Piauí) e o Uruguai.
Uma colônia fragmentada
As duas colônias, Pará e Uruguai, que, de certa forma, ainda estavam mais associadas do Brasil do que a Lisboa, estavam ameaçadas de possível anexação, pois a Pátria mãe, Portugal, não teria condições objetivas de resistir a um ataque. Recém repatriada a Casa Real regressava à Europa para reentronizar Dom João VI e começar a juntar os cacos do antigo Império Português.
Era um País fraquíssimo: o Grão Pará, alvo da cobiça de todas as potências europeias da época, não passava de uma selva inóspita e inexplorada, com uma fronteira distante e inatingível. No Sul, a Colônia da Província Cisplatina não era lusófona (o que não seria importante, pois pelo mundo português a fora se falam línguas indus, chinês, e os idiomas locais da Oceania, Ásia e África), mas era evidente que as nascentes nações hispânicas estavam de olho naquele pedaço que haviam perdido para o Rio de Janeiro nas estrepo lias da independência dos países do Prata. E havia o Reino do Brasil, país o independente, reconhecido e com assento nos foros internacionais.
Então qual era o quadro regional: no mundo hispânico formavam-se duas grandes potências, tendo à frente, líderes políticos e militares inigualáveis com fortes ligações com a maçonaria inglesa (não com a Coroa Britânica): Simon Bolívar, no norte, com sua Grã Colômbia, composta por Peru, Equador, Venezuela sob a liderança de Nova Granada, atual Colômbia, e, no Sul, José de San Martin, recompondo o Vice Reinado do Prata (atual Argentina, Paraguai e Bolívia, acrescido de Chile e Peru. Só faltava a banda Oriental do Uruguai. No lado português aquela dispersão.
Em resumo: José Bonifácio viu que se formavam gigantes hispânicos nas fronteiras do mundo português. Caso o Brasil não conseguisse também de constituir como um mega-país, seria inevitavelmente retalhado. Suas precárias fronteiras no Oeste, delimitadas pelo Tratado de Madrid, nos limites tão duramente conquistados pelos bandeirantes e outros pioneiros, seriam trazidas de volta para os limites do Tratado de Tordesilhas.
O acordão da independência
A visão clara da grande ameaça por todos os atores brasileiros é o grande fato histórico a ser aprofundado. Diante da evidência de que no mundo hispânico preparava-se um bote sobre o império colonial negociado em Tordesilhas e referendado pelo Papa Sisto IV (que deixou seu nome na Capela sistina, no Vaticano, de Michelangelo). José Bonifácio e a Princesa Leopoldina (integrante da Casa dos Habsburgos, rival da Inglaterra) mobilizaram as lideranças de todas as facções: liberais republicanos, liberais monarquistas, comerciantes portugueses radicados no país (que também dominavam o mercado africano), fazendeiros, financistas, traficantes e até segmentos da escravaria que tinha vida econômica própria. E os militares, evidentemente. É o que o ex-ministro Aldo Rebello, estudioso da História do Brasil, qualifica como uma parte singular da cultura política brasileira, que é a capacidade de fazer acordos impossíveis entre antagonistas das vésperas.
Esse grande acordo, já se sabe, produziu a adesão do príncipe Dom Pedro, que botou a última telha nessa cobertura, conferindo legitimidade política ao novo País. Esse foi um diferencial entre o Brasil imperial e os vizinhos republicanos, que, eles sim, se fragmentaram em mais de uma dezena de países. E no fim das contas, o Brasil, que era o patinho feio da América do Sul, com esse acordão acabou sendo um dos maiores países territoriais do mundo, que foi a plataforma de lançamento para, 200 anos depois, ser a sexta maior economia do planeta.