“A atual estrutura partidária não representa a sociedade”, critica Alceu Moreira

Deputado Alceu Moreira

O deputado Alceu Moreira (MDB-RS) vai entrar de sola, nesta semana, na campanha para a presidência da Câmara dos Deputados. Presidente da Frente Ruralista, a bancada parlamentar mais ativa e numerosa do Congresso, o parlamentar gaúcho vai aproveitar o vácuo que se criou com o esvaziamento de outros nomes que estão disputando o cargo, mas enfraquecidos por embates diversos nas áreas partidárias convencionais nos últimos dias.

Moreira corria por fora, porém, seu nome robusteceu-se na segunda quinzena de dezembro: “Já fiz, às vésperas das festas, meu discurso de candidato. Disse a todos que se alguém precisar de mim de um prato de comida, vai morrer de fome, porque não tenho nada para dar. Não entender isto é não compreender o que a urna prometeu nesta eleição”, ironizou, em entrevista exclusiva a’Os Divergentes.

“Disse a todos que
se alguém precisar de mim
de um prato de comida,
vai morrer de fome.”

Eleição atípica

Continua: “Então, digo: Se meu Parlamento é incapaz de entregar à sociedade o que ela deseja receber de seus representantes, então tenho de modificar esse Parlamento, e não continuar tentando fazer as mesmas coisas, reeleger o mesmo modelo e continuar envergonhado”. (O deputado lembra que é de bom alvitre retirar o distintivo de parlamentar quando entra num avião ou num restaurante para evitar dissabores, como vaias ou interpelações abusivas).

Ele se coloca como opção para implantar a nova política no Legislativo: “Se quiserem mais do mesmo, vamos continuar com um Parlamento achincalhado e com a representação política submissa. Vamos aproveitar os ventos que nos sopram com a atipicidade da eleição de (Jair) Bolsonaro para modificar a política brasileira”.

Moreira adverte: “Senão, observem. Eles estão desesperados. Não querem perder o poder de jeito nenhum e estão sendo ameaçados. Isto causa o desespero”.

O deputado ironiza o avanço de seus concorrentes sobre as caras novas que vêm a Brasília tomar as primeiras providências de suas mudanças para a Capital, fazendo gestões junto à administração da Câmara para obter apartamentos funcionais e gabinetes: “O que se come de leitão assado para todos os lados. Na casa do presidente da Câmara tem banquete todos os dias”, comenta.

Redesenhar o Parlamento

O parlamentar diz como vai fazer para implantar as grandes mudanças que preconiza: ”Se for eleito presidente, o Parlamento vai estar completamente envolvido para dentro nas duas primeiras semanas. Vamos mergulhar nos problemas, chamando todas as lideranças, convocando a assessoria técnica para redesenhar o Parlamento, de tal maneira que ele possa entregar à sociedade o que se espera da Câmara”.

“Cada parlamentar deve mudar seu enfoque. Vamos tirar do meio de nós todos os pontos comerciais em que se transformaram os partidos. Parlamento não é lugar para acomodar transferidores de favores, office boys de gravata. Temos uma estrutura técnica gigantesca, muito qualificada, mas é subutilizada”, afirma.

Ele propõe dar muito trabalho às assessorias técnicas profissionais concursadas que existem na Casa. E complementa: “Está em nossas mãos a possibilidade de fazer a grande transformação. Temas como transporte urbano, segurança pública, organização das cidades, segurança ambiental etc. devem ocupar o Congresso”.

“Aqui discutimos quase só assuntos do interesse do Governo, medidas provisórias, ou temas de pouca importância. Aquilo que os parlamentares produzem com muito esforço normalmente nunca chega ao voto. É por isto que não representamos ninguém. O Parlamento precisa ser o pedaço de chão onde os assuntos mais importantes do Brasil têm de passar”, diz, com energia.

Toma-lá-dá-cá

Outro ponto importante no seu projeto, diz o parlamentar gaúcho, é criar um novo modelo de relacionamento entre o Executivo e o Legislativo, para dar sentido prático, no espaço político, àquela decisão do novo governo de mudar o relacionamento com o Parlamento a fim de dar um novo formato ao governo de coalizão.

Neste sentido, ele desenha a participação dos ministros originários das bancadas temáticas num ambiente pluripartidário: “Quem disser o que vai acontecer na política brasileira daqui para frente, das duas uma: ou adivinha ou está mentindo. Ele não sabe”, dispara.

Esta frase é sua introdução sempre que vai falar da conjuntura política. Daí, emenda: “A segunda questão é: a estrutura partidária, da maneira como está feita, representa a sociedade? Isto foi dito nesta eleição: Não! Não! Não representa! Então temos um embrião em desenvolvimento para construirmos outras estruturas de representação política, que formem um modelo diferente do que temos hoje. Esse fenômeno não é brasileiro, é mundial. O que tem no meio desse processo?”

“A estrutura partidária,
da maneira como está feita,
representa a sociedade? Isto foi dito nesta eleição:
Não representa!”

Frentes temáticas

Ele mesmo responde, expondo como entende o pensamento do futuro presidente Jair Bolsonaro para mudar o relacionamento com o Congresso, a partir de um ministério formado com representantes de bancadas temáticas pluripartidárias. “Quando o presidente da República resolve que ele vai cobrir os ministérios com grande parte de seus titulares oriundos de frentes temáticas, não está fazendo nenhuma renúncia aos políticos. Mas ele está dizendo que não vai perguntar para o político do manual antigo quem ele tem a indicar para o ministério. O presidente escolhe primeiro, depois ele pergunta de que partido ele é”.

O presidente eleito Jair Bolsonaro fala à imprensa, no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), em Brasília. Foto Valter Campanato/Agência Brasil

O passo seguinte: “Ora, se quiser abrir outra porta de entrada nos partidos, com a falta de estrutura ideológico-partidária que nós temos hoje, ele facilmente empodera os ministros e substitui a liderança original. Abre-se outra porta. Ao invés de perguntar para o presidente do partido tal, eu escolho no partido tal quem eu desejo e o transformo em líder”, diz, explicando a tática de Bolsonaro.

Em detalhe: “Eu reduzo o poder de mando de quem pensava que mandava porque essa pessoa só tem muito poder porque ela tem o que dar em troca. Se eu lhe tirar a possibilidade de ‘mercado’, ele não tem mais liderança; decorre isto de que, de fato, nós temos alguns poucos partidos políticos efetivos no Brasil, e mais um monte de pontos comerciais”.

“Nós temos alguns poucos
partidos políticos efetivos no Brasil,
e mais um monte de pontos comerciais”.

Partidos ou “pontos comerciais”?

Então, ele sugere que o “toma-lá-dá-cá” é uma fórmula frágil, que pode ser quebrada com energia e estratégia. Os “pontos comerciais” têm, certamente, vida curta, porque estão fragilizados pela iminente substituição de seus gerentes.

“É uma coisa fácil? Não, é cirúrgico. Demora. Vamos ter de empoderar outros mais”. Para demonstrar como se inicia um processo, dá o exemplo prático: “Lá no DEM, a Tereza Cristina (ministra da Agricultura) e o (Luiz Henrique) Mandetta (ministro da Saúde) serão, certamente, empoderados e, se o presidente desejar, eles vão ter inserção na bancada do DEM, na Câmara, de tal maneira que a força da liderança deles aumenta muito”.

As bancadas são mais fortes que muitos partidos, opina. “Quem estava lá pensando que liderava, terá seu poder muito reduzido. Ou subtraído. Tenho a impressão de que, quando o presidente aposta nas lideranças temáticas, ele está querendo qualificar o governo”.

“Quando se colocam para dentro de um ministério essas pessoas, estamos qualificando esse governo e não diminuindo, como dizem alguns. No Brasil não temos mais que cinco correntes ideológicas. Esse número cinco é generoso. Mais do que isto, é derivação”.

Moreira diz que o debate e a luta política são necessários e que têm seu lugar na democracia: “O Parlamento é o lugar do dissenso, ninguém tem dúvida disso. Mas primeiro vamos discutir o consenso. O Bolsonaro nos permite isto. Raciocínio de convergência”.

“Os mais radicais estão fazendo um radicalismo banal e sem nenhuma fundamentação. Se nós quisermos, este País vai dar certo. Com estas reformas vamos acabar com a departamentalização, com a burocracia empregatícia, vamos tirar o estado inventariado e loteado na mão de poucos”, conclui.

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