Na previdência, o Legislativo aprovará a reforma possível

Reflexo das vontades populares, o Congresso Nacional vai moldando a síntese das imensas contradições do povo brasiliano. Querer impor uma única vontade é infrutífero e antidemocrático

Comissão Especial da Câmara para a Reforma da Previdência - Foto: Orlando Brito

Alguns temas se prestam a dicotomias. Você é a favor ou contra o porte de armas. Acredita que cadeirinhas para crianças em veículos devem ou não ser obrigatórias.

Não é o caso da reforma da previdência. Tirante parte da oposição que, mais por luta política do que por convicção, se opõe a qualquer reforma, boa parte dos brasileiros acha que ela é necessária, embora pouca gente saiba dizer o que tem que mudar.

Há até aquela constatação que virou piada. Mesmo a elite do funcionalismo, a que ganha na casa dos R$ 30, R$ 40 mil mensais, concorda com a reforma. Desde que não se mexa com a aposentadoria dela.

Conversando com o inimigo

Diferente do que vociferam bolsonaristas nas redes antisociais, o Congresso Nacional é o reflexo do povo brasiliano. Aferido a cada quatro anos pelo voto secreto, direto e universal, o Legislativo expressa as virtudes e os vícios da patuleia.

Lula não aprovou a reforma que queria. Com Bolsonaro, a história deve se repetir. Foto: Orlando Brito.

Se aqui fora, lulistas e bolsonaristas se detestam, dentro dos plenários das duas Casas estes opostos igualmente se enfrentam. Com a diferença, para melhor, que boa parte dos parlamentares aprende a conversar com quem pensa diferente – característica praticamente inexistente nos confrontos virtuais na internet.

Uma massa de brasileiros que se agrupa no centro e não quer tomar partido em nenhum dos lados antagônicos também está refletida nos tapetes azul e verde do Congresso. Como aqui fora, não tem perfil único, nem pensamento unitário.

A vantagem, leitor, é que, além de refletir o desejo dos eleitores, o Parlamento preserva uma constante permeabilidade à vontade popular, essência da democracia.

Vide a Medida Provisória 871, de combate a fraudes no INSS. Foi a pressão popular que levou a sua aprovação. Em plena segunda-feira. Tente mobilizar um juiz ou um procurador para trabalhar nos quase três meses de férias de que desfrutam vitaliciamente.

Poderes herméticos

Compare com os outros poderes, formais e informais. O Executivo, que tem apenas um membro eleito, sofre influência dos humores populares, mas está longe de ser permeável.

A Justiça é cega. E hermética, também. Foto: Orlando Brito.

Autoridades do Executivo costumam estar abertas basicamente a grupos organizados, poderosos e com os quais têm afinidade com o mandatário (o presidente da República) ou seus próceres (os ministros etc.). Já o Judiciário é o mais hermético dos três poderes formais.

Geralmente, um advogado caro não é o que sabe mais direito constitucional ou penal. Advogados bem-sucedidos são os que têm acesso a magistrados.

Idem para o Ministério Público e a imprensa, poderes informais, porém de enorme influência. Procuradores e jornalistas têm lado e preferências que influenciam ações e reportagens.

Sem levar em conta esta característica fica difícil entender por que uma síntese para a reforma das aposentadorias é tão difícil. Por isto, o Congresso Nacional não vai aprovar a reforma de Bolsonaro – noves fora o desinteresse do presidente em articular sua proposta.

Não vai aprovar a reforma do ministro Paulo Guedes. Não vai aprovar a reforma dos grandes empresários. Provavelmente não aprove a reforma dos bancos (leia-se capitalização).

“Mas ainda não se inventou
repositório melhor dos anseios populares
e anteparo mais eficiente ao autoritarismo”
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O Congresso Nacional vai aprovar a reforma possível. Foi assim com FHC, com Lula e com Dilma. Teria sido assim como Temer, não fosse o estranho e mal explicado episódio da dupla Janot-Joesley.

Migalhas preservadas

Num extremo, os servidores públicos vão perder mais um pouco de suas incontáveis regalias. Mas vão continuar sendo uma casta privilegiada.

A deputada Luiza Erundina e seu colega Ivan Valente, integrantes da Comissão Especial da Previdência. Foto: Orlando Brito.

No outro, agricultores, idosos e deficientes vão preservar a migalha per capita que sobra no erário depois do Governo bancar o imenso custo da máquina estatal. Aliás, a manutenção dos direitos do estamento menos favorecido é uma mostra de como o Parlamento sintoniza-se com a maioria.

Cortar a verba per capita esquálida destinada a estes grupos, que mal garante a sobrevivência de um ser humano, beirava a perversidade. Não passou. De novo, a saudável pressão popular.

A economia não vai ser a pretendida pelo ministro da Economia. Mas deixará nos cofres públicos bilhões de reais.

O Parlamento está cheio de defeitos. Mas ainda não se inventou repositório melhor dos anseios populares e anteparo mais eficiente ao autoritarismo.

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