Integrantes do Ministério Público do Rio de Janeiro temem que o episódio que envolveu o nome do presidente Jair Bolsonaro com o de acusados do assassinato da vereadora Marielle Franco — em função da lista de entrada do condomínio Vivendas da Barra — leve à federalização das investigações, atrasando seu andamento e dificultando a condenação dos acusados Ronnie Lessa e Élcio Queiroz. Os dois réus já foram interrogados na etapa final da investigação e aguardam a pronúncia, após a qual será marcado o julgamento pelo Tribunal do Júri do Rio, no primeiro semestre do ano que vem, se for mantido o atual curso do processo.
Segundo um dos investigadores do caso, a planilha sobre a entrada de Élcio no condomínio — investigada a partir de uma foto encontrada no celular de Ronnie, enviada pela mulher deste — é uma prova decisiva da conexão entre os dois no dia do crime, 14 de março de 2018. A prova teria servido para desmontar a versão dos executores de Marielle de que não haviam se encontrado nesse dia e, de acordo com essa avaliação, poderá levar à sua condenação.
O problema é que a citação à casa do presidente e a polêmica em torno dos depoimentos de um porteiro e das gravações de outro a respeito da casa que autorizou a entrada de Élcio no condomínio, além de contradições entre Ministério Público e Polícia Civil, levaram integrantes da PGR, em Brasília a retomar as gestões para que o caso passe à esfera federal. Essa possibilidade é considerada por membros do MPRJ um risco para a elucidação do caso, que já está avançada e se arrasta há mais de ano e meio, no prazo mais rápiso possível.
“Desse jeito, estão desviando o foco da apuração de um crime brutal e jogando confete na defesa do Ronnie e do Élcio”, diz um desses investigadores.
Esses integrantes do MP estadual consideraram “péssima” a entrevista em que as promotoras Simone Sibilio e Carmem Bastos de Carvalho, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado) afirmaram que um dos porteiros teria mentido em seu depoimento ao dizer que Élcio, ao chegar ao condomínio para se reunir com Ronnie no dia do crime, teria indicado casa 58, de Bolsonaro, como destino, embora tenha se dirigido à casa de Ronnie. Mas não creditam o erro à má-fé ou a qualquer iniciativa das promotoras para proteger Bolsonaro. Atribuem seu comportamento à “inexperiência” e a uma tentativa de evitar justamente os questionamentos que poderiam resultar na federalização da investigação.
Segundo um dos procuradores, não houve, da parte do MPRJ, qualquer atitude para preservar Bolsonaro — até porque estaria fora de seu alcance inocentar ou acusar o presidente da República. Por citarem o nome do presidente da República, a planilha e os áudios da guarita foram enviados a Brasília, ao Procurador Geral da República, Augusto Aras, e ao presidente do STF, Dias Toffoli. “Como o MPRJ pode ser acusado de uma coisa que não pode fazer, que está completamente fora de suas atribuições?’, indaga.
Esse investigador lembrou que, já no dia 9 de outubro, em reunião interna com o Procurador Geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, os encarregados do caso concluíram que a citação do nome de Bolsonaro na planilha, e o depoimento prestado por um dos porteiros no dia 7, deveriam ser encaminhados de imediato às autoridades federais — o que foi feito. Posteriormente, o áudio da guarita, que havia sido anexado ao processo, também foi enviado ao Supremo, a quem cabe, por lei, investigações envolvendo o presidente da República. A partir desse momento, afirma, a questão Bolsonaro passou a ser de Brasília.
Na avaliação do MPRJ, as provas obtidas já são suficientes para resultar na condenação de Élcio e Ronnie pelo júri popular como executores de Marielle e do motorista Anderson Gomes. Quase dois anos depois do crime, consideram que é preciso preservar as investigações para que seu foco não seja desviado em favor dos acusados.