Jair Bolsonaro está prestes a fazer um milagre: forjar um consenso nacional de forças que vão da esquerda radical à direita conservadora contra ele. Esse é o principal saldo político da escalada de declarações absurdas e preconceituosas do presidente da República. A última rodada, na qual investiu contra valores democráticos e desrespeitou os mortos da ditadura militar e suas famílias, parece ter consolidado o repúdio geral.
O que vai emergir desse quadro não se sabe ainda. Certamente será positivo para as oposições à esquerda, e provavelmente vai ajudá-las a sair da apatia dos primeiros meses de governo Bolsonaro. O PT já fala em caravanas, as forças de oposição no Congresso começam a levantar a bandeira do impeachment e a sociedade, através de entidades como a OAB – alvo do último ataque bolsonarista por seu presidente – e a ABI, se reorganiza. Todos aguardam ansiosamente as próximas pesquisas de popularidade do governo.
Ao centro e à direita, hé uma clara preocupação em marcar distância de Bolsonaro. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, no mesmo dia em que tomou café com Bolsonaro, gravou um vídeo criticando os ataques ao jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept, e defendendo a liberdade de imprensa. A mídia mainstream, dividida em relação ao governo e ao caso Vaza Jato, une-se agora em torno das críticas ao comportamento intempestivo e intolerante de Bolsonaro.
O governador de São Paulo, João Doria, talvez o principal adversário de Bolsonaro no campo da direita em 2022 mas um aliado de primeira hora, fez sua mais forte crítica a Bolsonaro. Filho de um exilado perseguido pela ditadura, Doria considerou inaceitáveis as referências de Bolsonaro ao pai do presidente da OAB, o desaparecido Fernando Santa Cruz, assassinado pela ditadura.
Com isso, Doria e outros mostram seu distanciamento da truculência bolsonarista e se apresentam como uma direita mais palatável, que já vem sendo chamada de “limpinha e cheirosa”aqui em Brasilia.
Com três anos e meio de governo pela frente, é ingenuidade acreditar que agora todas essas forças vão se unir para derrubar Bolsonaro aprovando seu impeachment. No curto prazo, não vão. Cada um tem seu jogo e seus interesses. A esquerda sabe que a bandeira do impeachment, se apresentada precocemente, tende a morrer na praia. A direita tem compromisso com o establishment econômico que defende as reformas que, mal ou bem, estão andando do Congresso.
Muita água há de rolar e muitas bobagens ainda ouviremos de Bolsonaro, mas não há dúvidas de que, esta semana, as camadas tectônicas da política voltaram a se mover.