Como sempre, há uma disputa de narrativas no dia seguinte à manifestação pró-governo. Há dados inegáveis: 1. foi muito menos gente para a rua do que nas edições anteriores, indicando certo esgotamento e expondo desavenças entre os grupos de direita organizadores; 2. apesar da perda de popularidade, Jair Bolsonaro mantém apoio consistente de um grupo da sociedade; 3. o Congresso e o STF não vão passar recibo imediato, mas se sentiram, sim, alvos de um movimento que busca colocar a sociedade contra as instituições.
É esse último item que preocupa caciques do Legislativo e ministros das cortes superiores e pode ter impacto político no médio prazo, depois da reforma da Previdência. Calou fundo junto a esses personagens, sobretudo, a frase de Bolsonaro ao parabenizar os manifestantes, quando disse que respeita todas as instituições mas que “acima delas está o povo”.
Não se sabe exatamente o que o presidente quis dizer com povo. Esse ente anda sumido. O que essa última manifestação dominical deixou evidente, acima de tudo, é que, com o desgaste e a perda de popularidade do governo, o bolsonarismo sofreu uma espécie de “depuração”. Parece estar assumindo, seis meses depois, sua verdadeira face: um núcleo duro branco, de meia idade, de classe média e média alta. É um grupo coeso, vivo e barulhento, cheio de recursos para providenciar bandeiras, camisetas e guindastes para os protestos, mas obviamente minoritário.
Ainda assim – ou seja, sem demonstração concreta de que tem “o povo” real a seu lado – o governo usou os atos que exaltaram o ministro Sergio Moro e a Lava Jato para fustigar o Congresso e o Supremo. Desta vez, com o reforço do ministro chefe do GSI, Augusto Heleno, e do filho 03, Eduardo Bolsonaro, que fizeram discursos inflamados nas manifestações meia-boca. Eduardo, que é deputado, chegou a ameaçar: “Todas as vezes que esse Congresso aprontar, nós estaremos aqui”. E traduziu como “poste mijando em cachorro” a cena, que chamou de ridícula, de senadores investigados inquirindo Moro na CCJ.
Às vésperas da votação da Previdência na Câmara, dificilmente haverá no Congresso a quizumba de outros tempos, com risco de paralisar as articulações. É justamente para fugir à acusação de estar tentando inviabilizar o governo que os caciques do Legislativo vão fazer de tudo para aprovar a reforma – quem maior ou menor, virá.
No dia seguinte, porém, a conversa vai ser outra. A Previdência pode até trazer um clima de ânimo para investidores, mas não terá efeito imediato no emprego e no crescimento da economia. De onde se conclui que dificilmente Bolsonaro terá condições de recuperar a popularidade que vem perdendo. A tendência, aliás, é o contrário. Nos salões do parlamento, o que se diz hoje, em tom jocoso, é que o governo deveria rever o calendário de manifestações, que nas atuais condições podem ficar cada vez menores e acabar num vexame. Sem povo, a vingança das instituições virá a galope.