Sem demagogia com as águas do Lago Paranoá

Lago Paranoá. Foto Orlando Brito

O Lago Paranoá fedia nos dias quentes de 1986 e isso somente parou quando foi deslanchada uma operação sem demagogia nem barulho para despoluir as águas da capital da República.

Deveria ser regra a luta pelo bem comum por parte de todos os administradores públicos, quando hoje é exceção. Uma dessas exceções salvou as águas do Lago Paranoá em Brasília.

José Aparecido de Oliveira era o governador de Brasília, escolhido pelo presidente José Sarney, num tempo em que ainda se pensava nesse cargo como um poderoso mordomo para que funcionasse bem a sede do Governo Federal. Não existia a Câmara Legislativa do DF.

Algas proliferavam ocupando boa parte do espelho d’água, que foi criado para composição paisagística, lazer, melhoria no micro clima da região e a geração de energia elétrica. A decomposição das algas tornava impossível ficar perto das margens nos dias de alta temperatura. O lago de Brasília se encaminhava para ser mais um desastre ambiental.

O ex-governador José Aparecido.

Após um jantar no Palácio de Itamaraty para recepcionar um presidente estrangeiro,  Aparecido me pegou pelo braço e disse para aparecer no dia seguinte no seu gabinete.

Nesse tempo eu era o Diretor da Organização dos Estados Americanos (OEA) no Brasil, que então tinha 55 projetos técnicos de cooperação e desenvolvimento no país e contava com o BID como agente financiador de vários deles.

“O estado do Paranoá é uma vergonha, todos reclamam e não tenho recursos para fazer muita coisa”, lamentou o governador, mineiro, que me instou imperativamente para buscar soluções para despoluir o lago.

Na lista da OEA, figurava um apoio com modesta quantia de dólares ao ano para  um projeto de limnologia (do grego, limne – lago, e logos – estudo), desenvolvido pela USP em São Carlos (SP) a cargo do professor José Galizia Tundisi.

Fui nessa mesma semana a São Carlos, onde Tundisi me recebeu calorosamente e deu uma luz a minha total ignorância sobre a situação de vários lagos do mundo e do Brasil. Ao fim da explicação, joguei duro: – Professor, o lago mais importante de todos é o Lago Paranoá e o senhor tem que resolver, apelei.

Tundisi sabia muito sobre o Paranoá e me explicou que era uma poluição simples, sem metais pesados, porque os detritos da cidade eram despejados no lago  sem tratamento e, com excesso de nutrientes, aumentava o fósforo e nitrato nas águas.

O projetado anel sanitário captando esgoto e evitando o despejo no lago não tinha sido construído na pressa por entregar Brasília rápido no tempo de JK.

Professor José Galizia Tundisi.

O professor viajou a Brasília aonde se encontrou com os especialistas da CAESB (Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal); Já se conheciam e respeitavam-se.

Em poucas semanas preparou-se um projeto que afinava os padrões técnicos de monitoramento e com soluções. Por exemplo, usinas de tratamento de esgoto nas partes Norte e Sul do lago para reverter a eutrofização.

Com o projeto já na mão, José Aparecido me disse que precisava de mais um favor: Que eu falasse sobre o Paranoá com os senadores e deputados que integravam uma comissão que acompanhava os assuntos do DF. Aparecido dizia que a maioria era contra todo que ele propunha. Respondi que, como representante de um organismo internacional, não podia me intrometer tanto.

O governador então chamou seu assessor de imprensa. Organizou-se uma mini-entrevista na qual expliquei que tinha apresentado ao Governador ideias de renomados técnicos para despoluir o lago.

Alentado por Aparecido, externei a incongruência de tentar convencer outros países da alta tecnologia dos aviões brasileiros. Porém, o país nem conseguia despoluir o único lago artificial da sua nova capital.

O press release do governo do DF com minhas declarações  espontâneas ou não (esqueci quem era o competente assessor de imprensa lapso pelo qual peço desculpas) foi enviado a cada um dos membros da  comissão parlamentar. Os parlamentares preferiram bater em Aparecido por outros temas sem atrapalhar o projeto de despoluição.

O governo se mexeu rápido e sem alarde. Apresentou projeto completo e pedido de financiamento para o BID, que acabou  liberando um total em torno de U$100 milhões para a despoluição e construção das usinas de tratamento do lago de 48 km2.

A operação teve sucesso total.  As águas límpidas do Paranoá se transformaram em centro de esporte e lazer e até ajudam a melhorar a oferta de água potável de Brasília em 2018.

Tundisi foi presidente do CNPQ de 1995 a 1999 e publicou mais de duzentos trabalhos em revistas especializadas de 13 países. Segue repassando conhecimentos.

Aparecido foi Ministro de Cultura e embaixador brasileiro em Portugal. Faleceu  em 2007.

O BID está cada dia maior e atuante como banco de desenvolvimento.

Piernes deixou o cargo de representante da OEA em 1992 e hoje busca resgatar fatos e episódios para que a História seja melhor contada e nos ajude a atravessar uma turbulenta etapa de escuridão, intolerância e muita mentira.

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