O desprezo pela classe política nesses tempos de Lava Jato tem levado autoridades penitenciárias ao abuso na aplicação da Lei de Execuções Penais. Esse desprezo é exacerbado no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, onde vem sendo imposto com relativa frequência um castigo com isolamento em solitárias aos políticos ali recolhidos em prisão provisória ou em função de crimes que lhe foram atribuídos e pelos quais já foram condenados às penas previstas na lei.
O isolamento em solitária, cuja aplicação está sendo questionado pela Suprema Corte dos Estados Unidos quando o castigo atinge até mesmo presos de alta periculosidade, na Papuda virou prática comum contra políticos que lá se encontram presos ao serem flagrados escondendo alguma guloseima, ou quando ousam contestar a forma de abordagem do seu carcereiro. A punição costuma ser de dez dias, em cela sem janelas onde o preso fica incomunicável e sem ver a luz do sol.
Pesquisa feita nos Estados Unidos concluiu que presos submetidos ao encarceramento em solitárias padecem de paranoia, ansiedade, perturbações sensoriais e depressão profunda. Muitos são levados ao suicídio, a tal ponto que o isolamento é considerado “castigo cruel” e por isso um atentado contra os direitos da pessoa humana.
Antônio Carlos Moni de Oliveira, defensor público criminal e das execuções penais no Estado de Minas Gerais, ao discorrer sobre o isolamento afirma que “a pena deixa de ser pena e passa a ser tortura quando a privação de liberdade deixa de ter por finalidade a emenda ou recuperação do indivíduo e passa a ter desígnio meramente vingativo, impondo ao indivíduo dor ou sofrimento agudo, físico ou mental”.
Ele condena a aplicação das sanções disciplinares “ao arrepio de qualquer instituição formal, naquilo que podemos de chamar de criminalização, processo, julgamento e efetivação da sanção primárias, atividades que não raras vezes são concentradas numa única pessoa: o agente penitenciário”.
O advogado Ricardo Castilho, diretor-presidente da Escola Paulista de Direito (EPD), afirma que essa conduta disciplinar “é equiparada à tortura nos termos definidos pela Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela Resolução 39/46 da Assembleia Geral das Nações Unidas e ratificada pelo Brasil em 28.09.1989”.
Segundo ele, na ordem internacional, especialmente através de órgãos das Nações Unidas e do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, são engendrados esforços no sentido de caracterizar o confinamento solitário como tortura, tratamento cruel, desumano e degradante.
Ao considerar a supremacia de tratados e convenções internacionais de direitos humanos sobre a legislação infraconstitucional, o defensor público Antônio Carlos Moni de Oliveira afirma que “o isolamento tal qual aplicado no Brasil constitui lesão a direito humano internacionalmente consagrado”. Ele conclui que a sanção de isolamento, “é medida que não pode ser mantida no ordenamento jurídico, pois lhe falta parâmetro de validade”.
Condenação antecipada facilita castigo imposto a político preso.
Embora a Constituição de 1988 preserve os direitos fundamentais da pessoa humana, esse princípio não tem sido observado e muito menos reclamado quando sua violação atinge um representante da classe política. A categoria é condenada por antecipação pela opinião pública, e tenham seus membros cometido ou não qualquer deslize, são sempre considerados culpados, até prova em contrário. Essa percepção contribui para a políticos presos serem castigados por seus carcereiros, sem qualquer contestação.
Dada a arbitrariedade da punição, sem a instalação de um devido processo legal com direito ao contraditório e à ampla defesa do acusado, o recolhimento a uma masmorra da Papuda tem o mesmo gosto amargo de um pau-de-arara onde eram pendurados presos políticos nas dependências do Exército nos tempos da ditadura (1964-1985), para deles retirar-lhes inconfessáveis revelações.
Aplicado na semana passada ao ex-ministro e ex-deputado federal Geddel Vieira Lima (MDB-BA), o castigo pode ter por objetivo quebrar a resistência do antigo colaborador do presidente Michel Temer a fazer uma delação premiada. Oficialmente, porém, Geddel foi recolhido à solitária por ter se insurgido contra uma vistoria em sua cela minutos depois da visita do irmão, o deputado Lúcio Vieira Lima (MDB-BA), quando teria dedicado alguns palavrões ao seu carcereiro.
O pedido de desculpas que apresentou ao guardião de sua cela não foi suficiente para reparar seu erro, e o ex-ministro foi levado para a masmorra para um período de dez dias sem direito a contato qualquer contato externo ou a ver a luz do dia. Mas pedidos de desculpas não são levados em conta na Papuda, e Geddel, sem direito a defesa, foi castigado por decisão de um carcereiro e sem prévia manifestação de um juiz.
Punição semelhante foi aplicada a outro político, também preso na Penitenciária da Papuda. O deputado Celso Jacob (MDB-RJ), quando cumpria prisão semi aberta, aquela em que o condenado dorme no presídio mas é liberado para trabalhar durante o dia, também foi remetido para a solitária depois que chegou na Papuda com um pacote de biscoito escondido nas suas vestes.
O deputado havia trabalhado até mais tarde na Câmara e, diabético, tinha levado o alimento para um lanche quando a fome chegasse para evitar sofrer uma hipoglicemia, que é a queda de açúcar no sangue, comum a quem sofre dessa doença crônica. Ele escondia perigosos pacotes de biscoitos e um queijo provolone, crime que a Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios pune com até 30 dias de isolamento.
Em janeiro do ano passado, outro hóspede ilustre da Papuda, o empresário e ex-senador Luiz Estevão (MDB-DF), foi remetido par cumprir castigo na solitária por desrespeitar normas do presídio e desacatar o coordenador-geral da Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe), Guilherme Nogueira, ao ser questionado sobre a presença de itens proibidos em sua cela. Entre eles, chocolate, cafeteira elétrica, cápsulas de café e massa importada.
O desprezo e a humilhação pública de políticos presos não se limitam ao seu recolhimento às masmorras da Papuda. Ao ser transferido para dos domínios do juiz Marcelo Bretas, no Rio de Janeiro, para a capitania do seu colega Sérgio Moro, em Curitiba, o ex-governador Sérgio Cabral (MDB) teve mãos e pés algemados e acorrentados numa ação midiática promovida pela Polícia Federal.
Embora uma súmula do Supremo Tribunal Federal proíba o uso desses grilhões na condução de presos da Lava Jato, a Polícia Federal ignorou solenemente a determinação da Suprema Corte. O ministro Gilmar Mendes chegou a pedir abertura de inquérito para investigar o tratamento medieval imposto a Cabral, mas a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu seu arquivamento.
Geraldo Seabra é jornalista