Saldo da guerra de Toffoli contra a Lava Jato: Lula e Zé Dirceu livres

Como murchou a estratégia para cortar as asas de Moro e barrar avanços nas grandes investigações sobre corrupção após uma série de aparentes vitórias

Ministros Dias Toffoli e Sérgio Moro - Foto Orlando Brito

Depois de um sóbrio primeiro semestre no exercício da presidência do STF, Dias Toffoli começou 2019 disposto a botar pra quebrar contra a Lava Jato. Junto com o colega Gilmar Mendes, costurou com Rodrigo Maia e outros caciques partidários uma estratégia para cortar as asas de Sérgio Moro e barrar os avanços da Lava Jato e de outras grandes investigações sobre corrupção. Definiram como primeiro alvo impedir a transferência do Coaf do Ministério da Economia para o da Justiça e Segurança Pública. Todos concordavam que, se Sérgio Moro não fosse contido, poderia tornar seus reféns os poderes em Brasília.

Parecia uma paranoia. Mas, a divulgação de notícias de que Gilmar e Toffoli e suas mulheres estariam sendo alvos da Receita Federal em procedimentos para investigar movimentação financeira atípica nas contas de mais de 100 autoridades entornou o caldo. Instigado por Gilmar, Toffoli resolveu agir antes mesmo do combinado com os políticos para a mudança sobre o controle do Coaf.

Para espanto geral, inclusive da maioria dos ministros do STF, Toffoli atropelou leis e regras elementares e, por ofício, instaurou um inquérito sigiloso para apurar ameaças, ofensas e fake news contra ministros do STF e o próprio tribunal. Ignorou o critério do próprio Supremo de sorteio para a escolha dos relatores e indicou Alexandre de Moraes para o cargo. Sua estreia foi uma desastrada tentativa de censura à imprensa. Tomou outras iniciativas insólitas, como determinar punições a auditores da Receita Federal, e sumiu do mapa.

Ministro do STF, Alexandre de Moraes – Foto Orlando Brito

Toffoli havia prometido submeter a abertura desse inquérito aos colegas. Não o fez, mesmo tendo recebido diversos pedidos nesse sentido, por evidente receio de derrota. Mas, como sempre, ele evita passar recibos. “Esse não é um tema prioritário. Hoje todos compreendem que o inquérito foi necessário”, disse em uma das suas entrevistas à imprensa de final de ano. Se fosse tão tranquilo, mais um motivo para obter para seu tão criticado inquérito o aval dos colegas.

Mesmo com o aspecto de morto vivo, o tal inquérito das fake news não é sepultado. Alexandre de Moares acaba de anunciar sua prorrogação por mais seis meses e admite que, em julho, pode adiar de novo.

Em julho, em pleno recesso do Judiciário, outra canetada de Toffoli, para atender um pedido da defesa de Flávio Bolsonaro, suspendeu a investigação sobre a rachadinha salarial no gabinete do seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio Janeiro, operada por Fabrício Queiroz. Mais grave do que isso: mandou o ministério público e as polícias estaduais e federal paralisarem centenas e centenas de procedimentos de investigação sobre corrupção e crime organizado baseados em relatórios do Coaf e da Receita Federal, sem prévia autorização judicial.

Além de fazer o país descumprir compromissos internacionais com a mais relevante rede mundial de troca de informações sobre corrupção, crime organizado e terrorismo, Toffoli causou um estrago em várias apurações. O inquérito sobre a rachadinha de Flávio Bolsonaro, por exemplo, só foi retomado agora com uma grande operação no Rio nessa quarta-feira (18). Quando deu a canetada em julho, Toffoli não tinha a menor noção. Comprovou isso o seu longo, confuso e conditório voto que chegou a ser ridicularizado até por alguns de seus colegas no STF. Depois de tantas marolas, o Coaf terminou o ano praticamente do mesmo tamanho, recuperou inclusive o nome, que havia sido rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira (UIF).

Lula e Dirceu agora soltos

A sequência de trapalhadas de Toffoli não acabou aí. Ele também pisou na bola em outras confusas votações. Uma delas, sobre a exigência de que a defesa dê a última palavra nas razões finais, inclusive em relação aos réus delatores, aprovada de maneira surpreendente pela Segunda Turma do STF.  Quando Toffoli rapidamente levou a questão ao plenário do Supremo, esperava-se que ele já tivesse uma proposta para modular sua aplicação em relação aos casos já julgados. Não tinha. O julgamento ficou inconcluso. Sequer produziu efeitos no caso mais famoso em pauta, o do sítio de Atibaia, em que Lula é acusado de receber regalias de empreiteiras. O TRF-4 simplesmente o ignorou a decisão parcial do Supremo e, mais uma vez, condenou Lula por corrupção em segunda instância, em mais uma alta pena de prisão.  Se ainda não teve serventia pró-Lula, essa decisão do STF serviu para o STF mandar soltar Paulo Preto, o principal operador do PSDB em São Paulo, para alívio de alguns tucanos de alta plumagem.

O voto de desempate de Toffoli na votação do STF sobre a possibilidade de prisão a partir da condenação em segunda instância seria pra pôr uma pá de cal no assunto, que há tempos divide o tribunal. Mas ele não endossou a tese de que isso era cláusula pétrea da Constituição. Ao contrário. Ele afirmou que  que isso pode ser modificado até por projeto de lei. Foi a senha para o Congresso, pressionado pelas redes sociais, chamar a decisão para si. Por lei ou emenda constitucional, a prisão após a segunda instância voltará a ser autorizada ano que vem. Mas a sua proibição já produziu alguns resultados, os mais notórios foram os alvarás de soltura de Lula e de José Dirceu.

Pela ótica de Toffoli, talvez tenha ficado de bom tamanho.

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