Os muitos tons da carta branca dada por Jair Bolsonaro a Sérgio Moro

Bolsonaro e Sérgio Moro. Foto Orlando Brito

O ministro Sérgio Moro já percebeu que há diversos tons de branco na carta que lhe foi dada pelo presidente Jair Bolsonaro. Ele teve liberdade, inédita em tempos democráticos, para montar sua equipe e definir as medidas do pacote de combate à corrupção e ao crime organizado. Mas tem que recuar sempre que esbarra em posições mais arraigadas de Bolsonaro e da turma ideologicamente mais afinada com o presidente. Foi assim, por exemplo, na definição do alcance do decreto sobre posse de arma.

Ao topar o desafio  para trocar o conforto de uma bem sucedida carreira de juiz federal por um salto triplo no escuro, com o propósito de intensificar o combate à corrupção, ao crime organizado e à violência urbana, Sérgio Moro sabia que teria de engolir alguns sapos. Nem todos com alguma relevância, mas sempre com grande repercussão. Foi o caso, por exemplo, de ter aceito a exigência dos políticos para a tramitação em separado da proposta de criminalizar o Caixa 2, que passa a ser passível de pena de prisão.

Ministro Sérgio Moro. Foto Orlando Brito

É a típica troca de seis por meia dúzia. Dentro ou fora do pacote de Moro, endurecer a punição do Caixa 2 vai depender da mobilização nas redes sociais. Nem o receio de que possa ser esquecido em alguma gaveta no Congresso se justifica. Se houver pressão da opinião pública, volta rapidinho para a pauta.

O pacote de Moro, ninguém se iluda, será uma corrida de obstáculos no Parlamento. Se depender das avaliações de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, até a largada será atrasada. A justificativa é  não dificultar a tramitação da reforma da Previdência, hoje a prioridade das prioridades. Bodes como a Lei de Abuso de Autoridade vão tentar atravancar a tramitação do pacote de Moro. É o jogo previsível de sempre. Mais uma vez, quem vai ditar o ritmo são as redes sociais.

O tom que até aqui mais destoou na carta recebida por Moro foi a revogação do convite a cientista política Ilona Szabó, presidente do Instituto Igarapé, para uma suplência no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Trata-se de um posto com pouca visibilidade que nunca interessou aos políticos, sempre de olho em cargos mais rentáveis.

Ilona Szabó e Sérgio Moro no Forum Mundial de Davos

Craque em segurança pública,  a escolha de Ilona Szabó parecia irretocável. Aí entrou em cena o Movimento Brasil Livre, uma patrulha ideológica de direita nas redes sociais: “Absurdo! Sérgio Moro nomeia Ilona Szabó para Conselho de Política Criminal. Ilona é desarmamentista, contra redução da maioridade penal e é de ONG financiada por George Soros”.  Foi o suficiente para uma mobilização nas redes sociais convencer Jair Bolsonaro a desbotar a carta branca dada a Moro.

O recuo de Sérgio Moro foi constrangedor. Em nota à imprensa, o Ministério da Justiça disse que a escolha de Ilana Szabó, um dos 26 componentes do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, foi motivada por seus relevantes conhecimentos na área de segurança pública e igualmente pela notoriedade e qualidade dos serviços prestados pelo Instituto Igarapé. “Diante da repercussão negativa entre certos segmentos, optou-se por revogar a nomeação”.

Em telefonema a Ilana, Sérgio Moro explicou que esses tais “certos segmentos” fazem parte da base do presidente que não quer contrariá-la. Ilana entendeu as dificuldades de Moro. “Jogar pedra é fácil, difícil é sentar junto e trabalhar. O Brasil precisa de gente que faça isso”.

Moro engoliu um sapo inesperado e até aqui o mais indigesto.

Outros virão.

A conferir.

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