O que impede Bolsonaro de tomar a PGR de assalto

Ministros do STF e caciques políticos que põem pilha em Bolsonaro contra a Lava Jato resistem a lhe dar carta branca na sucessão de Raquel Dodge

Presidente Jair Bolsonaro e a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge - Foto Orlando Brito

Em sua longa vivência política, Jair Bolsonaro parece ter aprendido muito pouco sobre a instituição Ministério Público Federal, totalmente remodelada pela Constituição de 1988. Retém em sua ótica direta e simplista só o que lhe parece essencial: o MPF é poderoso e perigoso. Daí seu medo de errar na indicação do novo procurador-geral da República na sucessão de Raquel Dodge. Esse receio é alimentado por interlocutores, com os mais variados interesses, com estórias do arco da velha sobre peripécias de procuradores em todo tipo de caso país afora, algumas até bem procedentes.

Jair Bolsonaro se assustou com tantos e tão importantes interessados na escolha de quem vai chefiar a PGR. Os ministros do STF, em especial a cúpula do tribunal, se sentem no direito de influir na indicação de quem vai trabalhar diretamente com eles pelo menos nos próximos dois anos. Os caciques políticos e os chefes dos poderes legislativos, não só pela exigência legal de que a palavra final sobre o indicado é o do Senado Federal, também não abrem mão de abençoarem o novo PGR.

Deputado Maia e ministro Toffoli – Foto Orlando Brito

A questão principal para o ministro Dias Toffoli e o deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara, nem é emplacar o nome de suas preferências, a recondução de Raquel Dodge por mais dois anos. É evitar a escolha de alguém que, na chefia do Ministério Público, faça o papel de pistoleiro de Jair Bolsonaro e use a licença para denunciar toda e qualquer autoridade da República contra os desafetos do presidente.

Essa é uma das causas do imbróglio em que aparentes ungidos em um dia viram fumaça no outro. Mesmo cedendo a pressões, Bolsonaro continua tratando esse cargo-chave no complexo equilíbrio entre os poderes como um butim a ser conquistado. Acha que é só assumir lá com alguém de sua confiança para desfazer toda a rede de proteção às diversas minorias, que foi estruturada país afora pelo Ministério Público com o aval da Constituição. Parece nada ter aprendido com as reações a sua intromissão em órgãos do Estado como a Polícia Federal e a Receita Federal.

O presidente Jair Bolsonaro, cumprimenta populares no Palácio da Alvorada

Na manhã do sábado  (31), em seu habitual quebra-queixo com repórteres no Palácio da Alvorada, já chegou chutando o pau da barraca. Disse ter recebido informações de  que Raquel Dodge estaria fazendo nomeações para cargos com mandatos que extrapolariam o próprio mandato dela, que se encerra no dia 17 de setembro. “Supondo que ela não seja conduzida, vai chegar ( novo PGR) num ministério montado, com mandato. Não sei se isso é legal ou não, mas posso ter um PGR que chega e não pode mexer em nada”.

Que nomeações são essas? No caso, são as nomeações para o mandato de dois anos das chefias do ministério público em todo o país, de procuradores eleitos pelos próprios colegas conforme as regras internas do ministério público. É assim que eles se organizam por estados, regiões e tribunais superiores. Num processo equivalente aos da própria Justiça Federal.

Governador do Maranhão, Flávio Dino – Foto Marcos Corrêa/PR

Diante do impasse na sucessão na PGR, o próprio Bolsonaro resolveu ganhar tempo por causa do resultado para a eleição no Conselho Superior do Ministério Público. Ele está se valendo das regras internas para, a partir de 17 de setembro, deixar o vice-presidente do Conselho, Alcides Martins, como chefe interino da PGR. Martins chegou ao cargo depois do empate na eleição interna com  Nicolau Dino (aliado de Rodrigo Janot e irmão do governador Flávio Dino, desafeto), beneficiado no desempate por ser mais velho que o concorrente.

A ANPR, a associação nacional dos procuradores da República, respondeu a Bolsonaro com uma nota didática explicando as regras internas do MPF. Os procuradores desconfiam que essa celeuma não é apenas fruto da ignorância de Bolsonaro. Eles enxergam um critério no embate do entorno de Bolsonaro com os órgãos estatais de controle. Além de querer proteger sua família de investigações sobre corrupção, como no caso da Rachadinha de Flávio Bolsonaro, o presidente estaria almejando usar toda a máquina federal a seu favor e contra seus supostos adversários, numa clara ameaça a democracia. Se avançar esse sinal, entre outros obstáculos, Bolsonaro sabe que vai  ter de enfrentar o Ministério Público.

A conferir.

Deixe seu comentário