O que está por trás do bombardeio aos erros e acertos da Lava Jato

Nem a roubalheira geral em plena pandemia do novo coronavírus inibe a insólita aliança tácita entre bolsonaristas e lulistas no ataque conjunto a Sérgio Moro e a Lava Jato na busca pela impunidade

A arrogância e erros de alguns procuradores da República contribuíram para que múltiplos interesses contrariados pela Operação Lava Jato conseguissem a proeza de colocar as forças tarefas na berlinda dentro do próprio Ministério Público. Isso ocorre mesmo com todo o crédito que elas tem por terem revolucionado o combate à corrupção e ao crime organizado no país desde o seus primórdios nos anos 90 do século passado.

Força tarefa é um conceito militar, consagrado na soma de esforços dos aliados na Segunda Guerra Mundial, e resgatado na Itália em um trabalho conjunto de juízes e polícia que resultou na famosa Operação Mãos Limpas. Aqui, elas foram introduzidas em dois ensaios — teve um grande aprendizado com resultados confusos no Caso Banestado e começou a mostrar eficácia no desmantelamento no Acre do assalto ao estado do bando do coronel Hildebrando Pascoal, que mandava matar seus desafetos com motosserra.

Hildebrando Pascoal

No escândalo da Sudam, procuradores se uniram para obter resultados exemplares, como escancarar o Caixa 2 da candidata presidencial Roseana Sarney no Caso Lunus e a prisão do então todo poderoso Jader Barbalho. Mas o que consagrou mesmo esse modelo de atuação foi a eficiência da força-tarefa, comandada pelo então procurador José Roberto Santoro, no Espírito Santo, um estado onde o crime organizado, em suas várias facetas, até então dava todas as cartas. Lá, Ministério Público, Polícia Federal, Receita Federal em comunhão de esforços com autoridades estaduais encurralaram forças criminosas tidas como imbatíveis no estado. E venceram.

A tecnologia ali adquirida foi aplicada no escândalo do Mensalão, o primeiro a flagrar a cúpula do PT na cumbuca da corrupção. E aperfeiçoada, inclusive pelos avanços tecnológicos, em outras investigações que culminaram na Operação Lava Jato, a mais bem sucedida apuração contra a corrupção no Brasil e uma das maiores do planeta. Detonou aqui o arranjo de grandes empresas que receberam contratos bilionários e superfaturados em troca do financiamento de grandes, médios e até pequenos partidos e do enriquecimento de boa parte dos seus líderes.

O mínimo que o país esperava da abertura dessa gigantesca caixa preta é que punições contivessem essa gula irrefreada pelo dinheiro público. O então juiz Sérgio Moro, de forma surpreendente, fez seu papel. Condenou quem tinha culpa no cartório e, por não ter foro privilegiado, foi julgado em Curitiba. Outros juízes Brasil afora também fizeram o dever de casa. No Rio de Janeiro, a Lava Jato mandou praticamente todos os ex-governadores vivos do estado para a cadeia.

Valdemar Costa Neto – Foto Orlando Brito

Mas qual o quê? O roubo do dinheiro público no Rio de Janeiro e em outros estados, em plena pandemia do novo coronavírus, continua como se nada tivesse acontecido. Em Brasília, políticos flagrados no Mensalão, na Lava Jato e em outros escândalos voltam a dar as cartas. Valdemar Costa Neto, Roberto Jefferson, Ciro Nogueira, entre outros, depois de se venderam ao PT de Lula, alugam agora seu apoio ao acuado presidente Jair Bolsonaro, enrolado com o passado de rachadinhas e supostas ligações com as criminosas milícias que mandam e desmandam nas favelas do Rio de Janeiro.

O que espanta é a naturalidade com que se aliam supostos adversários ferozes como bolsonaristas e lulistas na causa comum de detonar Sérgio Moro e a Lava Jato. Mais até do que um atestado de impunidade, na verdadeira loteria que virou as decisões judiciais, querem uma espécie de borracha para apagar seus malfeitos no passado. Pior: sem nenhuma autocrítica.

Os acertos de investigações como a Lava Jato não justificam seus erros. Nem delírios como a tentativa de criação de um fundo bilionário para as causas que achassem justas. A concessão de independência funcional aos procuradores da República pela Constituição de 88 é um mandato para atuarem no aparelho estatal em defesa dos mais difusos interesses da sociedade. Não é uma proteção para corporativismos. Essa confusão mistura, preserva e protege equívocos.

O Conselho Superior do Ministério Público Federal tem todo o direito de discutir, corrigir erros e aperfeiçoar o funcionamento das forças tarefas. Só não pode inventar entraves burocráticos que deem uma marcha a ré no combate a corrupção. Para quem não para de roubar dinheiro público nem no auge de uma pandemia, não há trégua e nem retrocesso admissíveis.

A conferir.

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