Nas duas últimas semanas, os conselheiros mais moderados de Jair Bolsonaro — entre eles, influentes generais da reserva — vinham obtendo sucesso com suas sugestões para que baixasse a bola em suas manifestações públicas e optasse por profissionais mais gabaritados na composição da equipe de governo. O único ponto que ainda parecia fora da curva eram suas declarações hostis contra alguns de nossos principais parceiros comerciais, como a China, os países árabes e até a Argentina.
Essas derrapadas estavam sendo atribuídas à falta de traquejo e ao pouco conhecimento sobre as complexas relações internacionais. Daí a insistência para Bolsonaro escolhesse logo o novo chanceler e repassasse a bola da política externa. Nas conversas com integrantes da equipe de transição, todas as apostas eram em diplomatas experientes, com ampla bagagem adquirida nos principais foruns internacionais.
Aparecia como favorito o embaixador José Alfredo Graça Lima, o preferido do general Augusto Heleno, futuro chefe do Gabinete de Segurança Institucional.* Corria por fora o embaixador Luís Fernando Serra, que teve uma boa química com Bolsonaro em seu périplo pela Ásia em março deste ano, quando — em companhia dos filhos Flávio, Eduardo e Carlos, e do deputado Onix Lorenzoni — ele esticou a viagem até Taiwan. Na ilha asiática, Bolsonaro se encontrou com membros do governo local, o que gerou uma irritada reação do governo chinês que considera Taiwan parte da China continental.
Nos últimos dias, Luis Fernando Serra frequentou o escritório da transição, apelidado de Planaltinho, no Centro Cultural do Banco do Brasil. Lá, ele se reuniu inclusive com filhos de Bolsonaro, dando a impressão de que também era forte candidato ao comando do Itamaraty.
Na manhã dessa quarta-feira (14), horas antes do anúncio de Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão sugeriu o nome do embaixador Marcos Galvão, atual secretário-geral do Itamaraty, com ampla folha de serviços prestados no Brasil e no Exterior. Mais tarde, Bolsonaro surpreendeu os generais e outros conselheiros ao escolher o embaixador Ernesto Araujo, um diplomata que acaba de se tornar embaixador e não figurava no primeiro time da diplomacia brasileira.
A escolha de Ernesto Araújo foi bancada pelo clã Bolsonaro. Diferente da avaliação de que seus palpites infelizes seriam apenas por falta de discernimento, os Bolsonaro têm convicções firmes sobre relações internacionais, mesmo que elas pareçam confusas. Eduardo Bolsonaro, por exemplo, em parceria com o deputado Fernando Francisquini, organizou uma tal Cúpula Conservadora das Américas, que reuniria lideranças de direita, em um encontro programado para o final de julho em Foz do Iguaçu. A ideia era fazer um contraponto ao famoso Foro de São Paulo, articulado por Hugo Chávez, os irmãos Fidel e Raul Castro, e Lula, criado em julho de 1990 no Hotel Danúbio, na capital paulista.
Em cima da hora, Jair Bolsonaro mandou cancelar o encontro em Foz do Iguaçu. O próprio Bolsonaro, o general Augusto Heleno e o filósofo Olavo Carvalho seriam os palestrantes brasileiros. Quem o convenceu de que a reunião, com a participação de lideranças de direita do Chile, Colômbia e Paraguai, entre outros países, poderia criar problemas com a Justiça Eleitoral foi o advogado Gustavo Bebbiano, cotado hoje para ser ministro com gabinete no Palácio do Planalto.
Em agosto, Eduardo Bolsonaro foi a Miami onde se reuniu com assessores do senador Marco Rúbio, uma das estrelas da direita americana, e, depois, em Nova Iorque se encontrou com Steve Bannon, estrategista da campanha de Donald Trump, visto como um guru pelos Bolsonaros.
Em sua página no facebook, Eduardo Bolsonaro conta que foi Olavo Carvalho, outro guru da turma, quem indicou o embaixador Ernesto Araujo para chefiar o Itamaraty. A escolha foi endossada pelo analista político Filipe G. Martins, assessor do PSL para assuntos internacionais. Araújo caiu nas graças dessa turma com o artigo “Trump e o Ocidente”, publicado em setembro numa revista do Itamaraty. Sua tese é de que Trump lidera uma espécie de nova cruzada ocidental contra a ideologia globalista, que ele assim define: “Globalismo é a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural. É um sistema anti-humano e anti-cristão”. Parece uma nova guerra santa. Ou uma nova Guerra Fria.
Um ano antes da publicação do artigo de Ernesto Araujo, em agosto do ano passado, no site Senso Incomum, Filipe G. Martins lamentava a queda do “genial” Steve Bannon no governo Trump. Sua avaliação era de que Bannon “perdeu a queda de braço com a ala cosmopolita da Casa Branca, de tendências globalistas e pró-establishment”, liderada pelos generais John Kelly e H.R. McMaster, apoiados por Jared Kushner, o influente genro de Trump.
Diferente do desfecho na Casa Branca, os militantes antiglobalistas, com o apoio do clã Bolsonaro, venceram a disputa com os generais e emplacaram um deles como chanceler. Se ele tentar empurrar essas ideias algo estapafúrdias no Itamaraty, um mundo sofisticado, repleto de cobras bem criadas, certamente não terá vida mansa. Nem longa.
A conferir.
* Após a publicação da matéria, o general Augusto Heleno postou o seguinte comentário no site Os Divergentes : “Apesar de saber da competência e qualificação do Embaixador Graça Lima, jamais manifestei qualquer preferência quanto à escolha do Exmo Sr Presidente da República para Ministro das Relações Exteriores. Não sei quem passou essa informação ao jornalista Andrei Meireles”.