Evidente que em qualquer sistema de governo, em especial no presidencialismo, não há quem não possa ser demitido. Mesmo assim campeões políticos, em todos os tempos, sistemas e regimes, cultuam o mantra de que não se deve nomear quem não se pode demitir. Não houve governante que não tenha recebido esse alerta. Alguns não quiseram, outros não puderam, segui-lo.
Jair Bolsonaro tem dois ministros com essas características, nenhum deles militar. Depois de muitos meses na berlinda, o cacife de Paulo Guedes cresce a cada boa notícia na área econômica, e elas finalmente chegaram nesse final de ano. A expectativa quase generalizada é de que os sinais da tão desejada retomada econômica tendem a ganhar corpo em 2020. É nessa aposta que se fiam todos os planos futuros de Bolsonaro, inclusive o da sua reeleição.
Esses avanços na economia, como todos sabem, não são obra exclusiva da gestão Bolsonaro. Sua equipe econômica, em várias ocasiões, só conseguiu emplacar suas propostas pelo apoio do Congresso em claro contraponto ao próprio Bolsonaro. A reforma da Previdência foi o maior exemplo disso.
Sérgio Moro é o outro ministro que, por sua popularidade e o apoio as suas propostas pela maioria da sociedade, inclusive entre os eleitores de Bolsonaro, deixa o presidente em uma permanente saia justa. O presidente, que se alimenta no dia a dia com as bajulações da militância virtual orquestrada por seus filhos, só tem a faturar com o elevado prestígio de seu ministro da Justiça. Mas a cada pesquisa que, independente de chuvas e trovoadas, lhe mantém o expressivo apoio de um terço do eleitorado, deixa se levar pelo ciúme do desempenho sempre melhor de Sérgio Moro.
Quando o alvo do recibo de Bolsonaro é a figura de Moro, a quem de vez em quando faz questão de lembrar que é seu subordinado, faz a festa a militância mais fanática do bolsonarismo e os adversários do atual ministro da Justiça de todos os naipes. Chega a ser engraçado como petistas e lulistas em geral comemoram supostas desavenças entre Moro e Bolsonaro. É o único momento em que parecem torcer por Bolsonaro.
Essa questão fica mais séria quando Bolsonaro, por interesses nem sempre claros, faz opções contra os avanços da Lava Jato e de outras grandes investigações sobre corrupção que são repassadas à população como mais uma picuinha entre o presidente e seu ministro. São vários exemplos. O mais recente foi a decisão de Bolsonaro de ignorar as ponderações de Moro para vetar a instituição do tal juiz das garantias, que faz uma barafunda no já caótico sistema judiciário do país, em mais uma manobra para resgatar a eterna impunidade dos poderosos. É mais uma investida dos caciques políticos, liderados por Rodrigo Maia e Dias Toffoli, que também apostam as fichas na revogação da possibilidade de se começar a cumprir a pena após a condenação em segunda instância.
As ponderações de Moro e de juízes do país inteiro são obvias. Não há juízes suficientes no modelo atual para atender as demandas país afora. Para ser juiz, como determina a Constituição, é preciso passar em um concurso público — Dias Toffoli sabe quão difíceis eles são. Como, então, duplicar as funções dos atuais juízes? Pelo que foi aprovado, e está em vigor, por um prazo de 30 dias. O absurdo pode ser ainda maior.
De acordo com a coluna de Mônica Bergamo, os criminalistas da linha de frente contra a Lava Jato já alimentam outra ilusão: o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jata no STF, manteria o poder de autorizar medidas de investigação, mas perderia a prerrogativa de dar parecer nos processos. Quem sabe, em outro sorteio sem Fachin na Segunda Turma, a tarefa ficasse com Gilmar Mendes ou Ricardo Lewandowski. Sorte grande para os alvos da Lava Jato.
A Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) já ingressaram no STF com pedido para anular a criação de juízes de garantia. O processo foi sorteado para o ministro Luiz Fux, vice-presidente do Supremo. Os adversários da Lava Jato torcem para que Dias Toffoli, que está de plantão, se antecipe a Fux e negue o pedido. Os precedentes de canetadas de Toffoli deixam o mundo jurídico de orelha em pé.
A conferir.