A incrível resistência da Lava Jato às sucessivas tramas dos donos do poder

O acordão nas elites políticas para barrar a Lava Jato tropeça na reação popular e nos órgãos estatais de controle desde a primeira ofensiva com Lula, Temer, Sarney e Aécio Neves

Foto: Orlando Brito

O calorão e a seca agravam a sensação de mal estar e a impaciência em Brasília. No fim do expediente dessa sexta-feira, ao chegar ao Palácio da Alvorada, Jair Bolsonaro reagiu mal a uma pergunta obrigatória dos repórteres: se ele cumpriria ou não seu dito anterior de que um indiciamento da Polícia Federal seria o bastante para demitir seu ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio. “Sem comentários. Ralo o dia todo e vocês não têm uma coisa boa para perguntar?”.

Com a grosseria costumeira, ele deu as costas aos repórteres. Alguns minutos depois, em um gesto pouco habitual, dirigiu-se de novo aos repórteres. “Pessoal, me desculpa aí. Eu estou com a cabeça quente”.

Talvez o que menos esquente os miolos presidenciais seja manter ou demitir o ministro Marcelo Antônio. Se ele perder o cargo na Esplanada dos Ministérios, volta para a Câmara dos Deputados, com o mesmo foro privilegiado para se defender das acusações de usar um laranjal em sua reeleição em Minas Gerais.

O ministro Álvaro Antonio e o presidente Bolsonaro – Foto Orlando Brito

Também não aquece mais o cérebro de Bolsonaro a régua ética por ele anunciada para sua equipe de governo: conclusões nas investigações da Polícia Federal e Ministério Público e o parecer final de Sérgio Moro. Garganteou como um filtro eficaz contra a corrupção. Esse discurso não resistiu ao jogo bruto do establishment político.

Mesmo com todo o poder presidencial, as encrencas familiares de Bolsonaro o deixaram vulnerável. Quem entende do riscado avalia que a rachadinha de Flavio Bolsonaro na bichada Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro é apenas a ponta do Iceberg. O que se fala, inclusive entre militares e investigadores bem informados, é que o clã Bolsonaro só tem a perder com o aprofundamento das investigações federais no Rio de Janeiro.

É nesse contexto que aumentam as preocupações e as alternativas presidenciais. Bolsonaro ficou encantado com a canetada do ministro Dias Toffoli, no plantão do STF, que, a pedido do senador Flávio Bolsonaro, suspendeu as apurações sobre as rachadinhas no Rio e todas as investigações baseadas em relatórios do Coaf. Foi a pedra de toque para sacramentar um acordão entre Toffoli, Bolsonaro e Rodrigo Maia.

Toffoli, Maia e Bolsonaro. Foto Marcos Corrêa/PR

O clã Bolsonaro, que se move a teorias da conspiração, se sentiu tão forte que partiu para uma guerra contra as corporações estatais de controle, fiscalização e repressão, as forças que no combate à corrupção ajudaram a pavimentar a chegada de Bolsonaro ao poder. Com os Bolsonaros tendo de explicar suspeitas de corrupção e de ligações com as milícias no Rio de Janeiro, a Polícia Federal, a Receita Federal, o Coaf, o Ministério Público num passe de mágica viraram adversários.

Os diálogos da turma da Lava Jato, divulgados pelo site The Intercept e outros veículos de imprensa, se passaram dos limites, que sejam investigados.  Quem avançou o sinal que  seja punido. Outros disseram em conversas informais o que se fala no dia a dia nos diálogos entre policiais, procuradores e juízes em todas as instâncias. E estão sendo censurados de maneira hipócrita por quem em todas as esferas do poder usa a mesma linguagem. Mas isso tem um propósito. Dar pretexto para reverter o resultado de investigações, processos e condenações por corrupção, sonho de consumo de caciques políticos, empresários e altos funcionários estatais flagrados no maior escândalo de corrupção da história do país e um dos maiores do mundo.

Protesto em frente ao Supremo – Foto Orlando Brito

O que toda essa eclética turma quer, na expectativa de salvar o próprio pescoço, é o desmonte de todo o sistema de controle estatal, que vem aprimorando o exercício dos  poderes para combater a corrupção e defender a cidadania que ganhou com a Constituição de 1988. O Mensalão foi um marco, um aprendizado para a Lava Jato, que atropelou as elites políticas, empresariais e burocráticas.  Desde o governo Dilma Rousseff, foram inúmeras tentativas para brecar essa incontrolável  Lava Jato, com a participação dos principais protagonistas da política brasileira. Alguns exemplos:  José Sarney, Lula, Aécio Neves, Michel Temer, Renan Calheiros, Eduardo Cunha, Romero Jucá, Edison Lobão, Delcídio do Amaral conspiraram com esse propósito.

Eduardo Cunha – Foto Orlando Brito

Pela primeira vez na história do Brasil, um elenco com essa dimensão simplesmente  fracassou. Até hoje essa elite política brasileira não entende como tudo deu tão errado. A narrativa de que houve um complô de orgãos de controle estatais, lançada pelo PT, encampada por punidos de todos outros partidos, e endossada até por ministros do STF, continua frágil. Nenhuma das várias versões dessa narrativa consegue explicar o bilionário assalto a Petrobrás e a todo estado brasileiro, sem a participação deles. É a tese do crime sem criminoso.

Nem todos eles juntos conseguiram fazer o país engolir essa cascata. Todas as pesquisas mostram que a ampla maioria da população é contra esses cambalachos. É isso que até agora impediu que os acordões no establishment político, inclusive entre chefes de poderes, com medidas restritivas adotadas pelo Executivo, Legislativo e Judiciário, tenham conseguido barrar a Lava Jato e inúmeras investigações sobre crimes de colarinho branco país afora.

Mesmo com a morte da Lava Jato sendo diariamente anunciada

A conferir.

Deixe seu comentário