“Quem fala demais, dá bom dia a cavalo”. O velho ditado popular deveria ser levado em conta pelo presidente eleito Jair Bolsonaro. Alçado pelo eleitor brasileiro do baixo clero do Congresso Nacional à Presidência da República, sem direito a qualquer estágio intermediário, Bolsonaro começa a se enrolar na própria estratégia que lhe garantiu, de certa forma, o sucesso de sua campanha: a comunicação direta com o eleitor, sem a intermediação da imprensa.
Aliás, a imprensa profissional e tradicional segue sendo vista com desconfiança e desprezo pela ‘entourage’ que cerca o presidente eleito. Em especial, seu clã familiar. Que a verdade seja dita: boa parte dessa mídia, assim como a grande maioria dos políticos tradicionais, tratou a candidatura de Bolsonaro como algo folclórico, sem chance de vitória, até as primeiras semanas de campanha eleitoral oficial.
Se não fosse a estratégia de comunicação por meio das redes sociais, montada pelo próprio candidato do PSL e seu filho Carlos, único autorizado a fazer postagens no perfil de Bolsonaro e chamado pelo próprio pai de “meu pit bull”, dificilmente ele estaria prestes a subir a rampa do Palácio do Planalto no próximo dia 1º de janeiro de 2019. É incontestável, essa estratégia deu certo. Mas já dá sinais de esgotamento.
O improviso e a falta de traquejo para lidar com o mundo oficial da Presidência da República podem levar Bolsonaro a queimar rapidamente o capital eleitoral que lhe foi garantido pelas urnas. Está na hora de profissionalizar sua comunicação.
E ao contrário do que imaginam os filhos de Bolsonaro e o próprio presidente eleito, um assessor de imprensa experiente poderia poupá-lo das inúmeras saias justas que tem enfrentado diante do assédio normal e inevitável da mídia tradicional, que, aliás, também precisa de fazer um ‘mea culpa’ diante dos novos tempos da política.
Uma assessoria da comunicação profissional teria um papel que vai além da divulgação das agendas oficiais do novo presidente e da organização do seu contato diário com a imprensa. Cabe a assessores experientes preparar o presidente para lidar com os temas principais do dia, para que ele não seja pego de surpresa e fale no improviso sobre assuntos que não domina e ainda evitaria as idas e vindas do novo governo sobre assuntos não decididos.
Os primeiros recuos nas promessas de Bolsonaro foram perdoados por seus ‘eleitores de raiz’, aqueles que votaram no presidente por afinidade de pensamento e não apenas por rejeitarem o PT. Alguns até viram nisso uma virtude do novo governante, por saber ouvir as vozes divergentes e se reposicionar sobre temas polêmicos. Mas o excesso de idas e vindas começa a ser visto como falta de preparo para lidar com as obrigações e tarefas de um presidente da República.
A liturgia da Presidência da República exige cautela e profissionalismo. Palavras mal colocadas por um governante no poder têm consequências práticas e, por vezes, até irreversíveis. E neste contexto, uma assessoria de imprensa faz falta sim. Isso não significa abandonar a estratégia inicial de comunicação por meio das redes sociais, que funcionou bem durante a campanha. Uma coisa não anula a outra e ajudaria a evitar diversos solavancos na trajetória do novo governo.
O ex-presidente Fernando Collor de Mello viveu uma experiência um pouco parecida quando foi eleito em 1989. Após sua posse, costumava ignorar os setoristas do Palácio do Planalto quando desembarcava no heliponto e seguia a pé até o elevador que lhe dava acesso ao gabinete presidencial. Ao passar pelos jornalistas que ficavam enfileirados o aguardando, virava a cara e negava até mesmo um simples bom dia.
Após o impopular confisco da caderneta de popular e já em meio as primeiras denúncias de irregularidades de seu governo, Collor percebeu que teria de lidar de outra forma com a imprensa e trocou o estilo adotado durante a campanha, do “bateu, levou”, por um mais “soft”. Mas já era tarde demais. Com o agravante de uma mídia desprezada e alfinetada diariamente costuma se vingar na primeira oportunidade possível.
Não que a imprensa independente e profissional chegue ao ponto de inventar ou alterar fatos ou acontecimentos. Mas é fato que a linha editorial de um veículo pode sim amplificar os efeitos negativos de um tropeço e minimizar acertos. Brigar com a imprensa em democracias, nunca foi um bom negócio, por mais que a credibilidade da mídia já não seja a mesma, o que abriu espaço para estratégias alternativas de comunicação direta com seu público alvo, como optou Bolsonaro durante a campanha.
Para evitar um terceiro turno e conduzir o país para uma pacificação necessária neste início de novo governo, Bolsonaro vai precisar repensar alguns de seus conceitos sobre comunicação. Quanto mais rápido isso acontecer, melhor para todos.