Quem tem algum tempo de estrada na cobertura política já viu presidentes – da República, da Câmara e do Senado – caírem por muito menos. Mas não há, até agora, o mais mínimo sinal de que os R$ 89 mil em depósitos feitos pelo ex-assessor Fabrício Queiroz e sua mulher nas contas da primeira dama Michelle Bolsonaro vão resultar numa CPI matadora ou, ao menos, em medidas judiciais contra o presidente da República. O centrão mandou dizer que vai matar essa no peito.
É curioso que o sujeito que se elegeu com um discurso anti-política (falso, como se demonstrou) e que, claramente, não montou uma base parlamentar organizada, pareça estar conseguindo no Legislativo uma blindagem muito melhor do que a de boa parte de seus antecessores. Dilma Rousseff caiu sob a alegação de meras “pedaladas fiscais”, um suposto crime que hoje parece brincadeira de jardim de infância diante das relações da família Bolsonaro com milicianos.
Fernando Collor recebeu seu tiro de misericórdia quando nosso amigo Jorge Bastos Moreno surgiu, em O Globo, com cópia do cheque que havia pago o Fiat Elba do presidente com dinheiro da conta abastecida por PC Farias com desvios e propinas. Guardadas as diferenças, aliás, uma situação bastante semelhante à dos dias de hoje, envolvendo ex-assessores, desvios e depósitos. Collor arrumou a “Operação Uruguai” para tentar justificar os recursos, mas não colou.
DEPÓSITOS DE QUEIROZ
Não se sabe a explicação que Bolsonaro vai dar para justificar os depósitos do ex-assessor na conta de sua mulher, já que a anterior – um empréstimo de R$ 40 mil ao Queiroz – caducou. Talvez não dê nenhuma, e não sinta necessidade de montar uma “Operação Rio das Pedras”. Afinal, tem o Centrão para evitar uma CPI, com a ajuda do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, em troca do apoio à sua reeleição, e do da Câmara, Rodrigo Maia, que repete todos os dias que não quer saber de impeachment.
É até possível que, ao longo de investigações que não vão parar, fatos novos abalem as certezas do Centrão, que oscilam entre os pratos da balança: cargos, verbas e outras benesses, de um lado, e a pressão popular, de outro. A situação ideal, para os neoaliados de Bolsonaro, é tê-lo assim: pequeno, frágil, refém. Não lhes interessa um presidente forte, que negará seus pleitos, e nem um presidente atingido mortalmente por um escândalo político-policial do qual não consiga se recuperar. Nesse caso, o centrão rapidamente mudará de lado para apoiar o impeachment.