Ações Coletivas de Consumo: se protege um, protege todos

O objetivo das ações coletivas de consumo é evitar a multiplicação de medidas idênticas, além de assegurar economia processual e maior efetividade na defesa. Segundo a autora, a decisão que, agora, cabe ao STF, pode tornar mais céleres e mais abrangentes essas ações coletivas que protegem e ampliam o direito dos consumidores, "sem limite temporal ou territorial"

Plenário do STF durante sessão com os 11 ministros - Foto: Orlando Brito

O IDC (Instituto Defesa Coletiva), em parceria com o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, está promovendo uma campanha em todo o Brasil para mobilizar a população e o Judiciário sobre a importância das Ações Coletivas na defesa dos direitos do consumidor. A campanha “Protege Um, Protege Todos – O Meu Direito não tem território” lançada no último dia do mês de julho, tem o apoio do Ministério Público Federal, OAB Nacional e Procons de todo o país.

Primeiro, é preciso entender o que é uma Ação Coletiva de Consumo. Este é um instrumento que assegura proteção efetiva dos direitos vulneráveis de uma sociedade de consumo de massa. Através de uma ação é possível proteger os consumidores que estão tendo o seu direito violado. Evita-se assim, uma multiplicação de ações idênticas e, ao mesmo tempo, assegura-se uma economia processual e uma efetividade na defesa dos direitos previstos em lei. As ações Coletivas de Consumo não são privativas, pertencem à coletividade. Assim, qualquer cidadão que se encontra na situação discutida na ação coletiva pode ser beneficiado por uma sentença favorável.

Vamos dar um exemplo de uma Ação Coletiva de Consumo no caso de um banco que cobrou por um determinado período uma tarifa ilegal de milhares de correntistas. Através de uma ação coletiva pode-se proteger estes clientes que possuem conta neste banco em todo o território nacional de acordo com o artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor. Todos os consumidores que foram e vierem a ser vítimas da cobrança da tarifa ilícita poderão receber a restituição dos valores cobrados indevidamente. Ação deste porte foi encabeçada pelo Instituto de Defesa Coletiva recentemente contra vários bancos e a Febraban por não cumprirem medidas anunciadas para a prorrogação de pagamentos de débitos bancários enquanto durarem os efeitos da pandemia de covid-19.

Limitação territorial da decisão

Ministro Alexandre Moraes

O STF reconheceu a existência de repercussão geral no RE 1.101.937/SP, Tema 1.075, no qual se discute a constitucionalidade do art. 16 da Lei nº 7.347/85 (LACP) e, por corolário, a extensão territorial da coisa julgada oriunda de ação coletiva. O ministro relator, Alexandre de Morais, determinou, em decisão monocrática proferida em 17 de abril do ano corrente, a suspensão do processamento de todas as demandas pendentes que tratem da questão em tramitação no território nacional, nos termos do art. 1.035, § 5º, do CPC. Assim, o Supremo Tribunal Federal analisará a possibilidade de limitar territorialmente os efeitos da decisão coletiva, de acordo com a competência do órgão prolator da decisão.

Segundo o posicionamento majoritário da doutrina, o art. 16 da Lei nº 7.347/85, o qual estabelece uma limitação territorial à eficácia subjetiva da decisão coletiva é inconstitucional e ineficaz perante o modelo brasileiro de ações coletivas, vez que atenta contra a isonomia, o acesso à justiça e à razoabilidade e proporcionalidade.

Não obstante os fundamentos de inconstitucionalidade,  verifica-se a ineficácia do art. 16 da LACP (Lei de Ação Civil Pública) face à aplicabilidade do art. 103 do CDC, vez que, embora ambos versem sobre o mesmo assunto, o tratamento mais amplo e mais recente fora dado pelo diploma consumerista, o qual, portanto, é que regula o tema da coisa julgada nas demandas coletivas.

No mesmo sentido do posicionamento doutrinário, o Superior Tribunal de Justiça consagrou, em importantes julgados, a não aplicabilidade do art. 16 da Lei nº 7.347/85. Dentre tais precedentes, merece destaque o recurso especial repetitivo nº 1.243.887/PR, que consagrou a impropriedade do art. 16 da LACP, afirmando categoricamente que a sentença coletiva não estaria restrita a limites territoriais do órgão prolator da decisão, mas sim aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido. No mesmo sentido é o EREsp. n° 1.134.957/SP, da Corte Especial, que aplicou o art. 103 do CDC em detrimento do art. 16 da LACP, para demanda coletiva que versava sobre direitos individuais homogêneos.

Assim, verifica-se que a questão ainda se encontra pendente de julgamento, sendo numerosos e consistentes os fundamentos apresentados pela doutrina e pelo próprio STJ quanto à inaplicabilidade da LACP no tocante à limitação da decisão coletiva.

Abrangência nacional

Ministro Dias Toffoli, presidente do STF

A campanha “Protege Um, Protege Todos” se faz ainda mais importante neste momento, principalmente depois de decisão recente do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, de suspender a tramitação de um recurso contra determinação da Justiça do Trabalho em ação civil pública, onde foi reconhecida a prática de assédio moral organizacional no Banco Santander, condenando o banco a adotar, em todo o território nacional, medidas eficientes contra esta prática. No recurso, o Santander questiona o alcance nacional da condenação imposta na sentença, baseado no artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985). Ao conceder liminar na Reclamação (RCL) 42302 impetrada pelo banco, o ministro Toffoli justificou que todos os processos que discutem a abrangência do limite territorial para a eficácia das decisões proferidas em ação civil pública tiveram a tramitação suspensa em todo o país por determinação do ministro Alexandre de Moraes até que o STF discuta a matéria no Recurso Extraordinário (RE) 1101937, que teve repercussão geral reconhecida (Tema 1075).

De acordo com o professor da USP e doutor em Processo Coletivo, Camilo Zufelato, um dos idealizadores da campanha “Protege Um, Protege Todos”, a limitação territorial da coisa julgada coletiva, nos termos do artigo 16 da Lei nº 7.347/85 é flagrantemente inconstitucional pois viola a isonomia, a segurança jurídica e o acesso à justiça, princípios constitucionais concretizados por meio da atuação da tutela coletiva. “A prevalecer tal absurdo jurídico, além de grave violação constitucional, a consequência prática será a multiplicação desenfreada de ações, individuais e coletivas, a assoberbar ainda mais o já abarrotado Poder Judiciário”, alerta.

A professora Ada Pellegrini Grinover

O que ensinava a jurista Ada Pelegrini Grinover, precursora das ações coletivas no Brasil: “Com o advento do CDC, em 1990, que regulou completamente o instituto da coisa julgada coletiva (difusos, coletivos e individuais homogêneos), o sistema legal que rege o instituto da coisa julgada no processo coletivo passou a ser o art. 103 do CDC. Pela superveniência do Código de Defesa do Consumidor, houve revogação tácita do art. 16 da LACP (de 1985) pelo posterior (Código de Defesa do Consumidor, de 1990), conforme dispõe a LIND, art. 2º., par. 1º. Assim, quando editada a Lei 9.494/1997, não mais vigorava a LACP, de modo que ela não poderia ter alterado o que já não existia. Portanto, também por esse argumento, não mais existe o revogado sistema da coisa julgada que vinha previsto no art. 16 da LACP. O único dispositivo legal que se encontra em vigor sobre o assunto é, hoje, o art. 103 do CDC”.

Espera-se que a Corte Suprema se posicione no sentido da aplicação do art. 103 do CDC, em detrimento do art. 16 da LACP, a fim de assegurar abrangência nacional à coisa julgada coletiva, para que os instrumentos da tutela coletiva alcancem seus objetivos de proporcionar a ampliação do acesso à justiça, com o consequente tratamento isonômico dos jurisdicionados e a redução da morosidade da prestação jurisdicional.

O espírito da lei, ao trazer as ações coletivas, é justamente garantir o acesso à justiça a todos os lesados. Portanto, os efeitos das ações podem atingir toda a coletividade sem qualquer limite temporal ou territorial, seguindo o lema: “Protege um, protege todos”. Aqueles que se dispuserem a assinar a petição eletrônica sobre o tema, basta clicar aqui. 

* Lillian Salgado é presidente do Instituto de Defesa Coletiva (IDC), advogada pós-graduada em Direito Empresarial pela IEC/PUC-MG, integra a Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/MG e o Conselho Gestor do Fundo Estadual de Defesa do Consumidor de Minas Gerais

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