O Centrão está se sentindo tão por cima da carne seca depois que virou benfeitor de Jair Bolsonaro – em troca de cargos e recursos, claro – que perdeu a noção. Está trocando seu apoio ao adiamento das eleições municipais deste ano, uma decisão que deveria ser tomada com base em critérios sanitárias e avaliações sobre a segurança da população, por mais verbas para as prefeituras e pelo retorno da propaganda partidária na TV. Pegou tão mal que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, tentou desmentir tal acordo.
Mas é isso mesmo: mais R$ 5 bilhões da verba de compensação das perdas de arrecadação dos entes federativos com a pandemia devem ir para os municípios, pagos até novembro – coincidentemente, quando se realizará o pleito (15/11 e 29/11).
Ajuda aos municípios, ainda mais em tempos de Covid-19, é sempre bem vinda. O problema é que, nesse caso específico, o propósito é azeitar os meses finais de administração dos atuais prefeitos, que ou são candidatos à reeleição ou querem eleger seus sucessores. Com mais dinheiro na mão, fica mais fácil, e os partidos do Centrão querem reeleger seus aliados. Se condicionar medidas para proteger a saúde da população ao pagamento para as prefeituras é republicano ou não, ninguém nem lembrou de perguntar.
Assim como muitos aceitaram com naturalidade a outra barganha do Centrão, a volta do tempo para propaganda partidária na TV. Essa também tem custo, já que o governo dá compensações fiscais para as emissoras, e revoga uma decisão amplamente discutida. Mas o pessoal quer aparecer na TV, e se para conseguir isso está ameaçando colocar em risco a vida dos eleitores, parece que tudo bem.
Só que não. Acima de tudo, esse episódio mostra que o Centrão está com a faca afiada e que esse vai ser o método para se aprovar qualquer coisa no Congresso daqui para frente: o toma-lá-dá-cá mais explícito e descarado. Não que tenha sido tão diferente assim nos últimos tempos. Na recém-adquirida condição de salvador da pátria de Bolsonaro, porém, o grupo engordou seu cacife e está empoderado como nunca. Seus 200 votos serão vendidos a cada dia mais caros.
Só há dois destinos possíveis para um Executivo degradado: ou é derrubado pelo Legislativo, ou contamina o outro poder, degradando-o também.