A recuperação da economia e a capacidade do estado de enfrentar os problemas sociais é um dos maiores desafios da história do Brasil desde o século XX. O coronavírus expôs as fragilidades do sistema de saúde e a precariedade de alimentação e condições de vida de milhares da brasileiros.
Os economistas do Ministro da Economia, Paulo Guedes, irão lidar com problemas muito mais complexos do que aqueles que levaram governos anteriores a combater a inflação com medidas de ajuste fiscal e estabilidade da moeda e câmbio, embora este último seja hoje flutuante.
Economistas de diversas correntes que passaram pelo governo depois de 1985 formularam nove planos econômicos, mas nenhum deles tinha como objetivo principal um plano de desenvolvimento do setor produtivo. A economia cresceu, em alguns deles, em função dos efeitos benéficos do controle de inflação e recuperação do poder de compra da moeda.
O Plano Real no governo de Itamar Franco, cujo o ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, liderou uma das mais competentes equipes de economistas, conseguiu vencer o processo de indexação de preços e a inflação, mas não tomou medidas para fortalecer o setor produtivo. Ao contrário, a política de valorização do real inviabilizou inúmeros segmentos da indústria nacional, especialmente têxtil, autopeças, entre outros setores que perderam o mercado interno para os concorrentes estrangeiros.
O governo de Luiz Inácio da Silva criou o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), que junto com a ampliação das operações de crédito da pessoa teve efeitos sobre o consumo e os empregos. Com a escassez de recursos públicos a economia entrou em recessão sob o comando de Dilma Rousseff gerando desemprego e perda de arrecadação de impostos.
A âncora fiscal que contribuiu para estabilidade dos preços e poder de compra da moeda desde a edição do Plano Real foi perdendo potência. Hoje, o grau de endividamento do setor público, especialmente depois das medidas para combater os efeitos colaterais do coronavírus é ameaçador.
O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto de Almeida, estima em R$ 500 bilhões o déficit primário que o governo terá com emissão de dívidas, coisa que deve ficar em torno de 4% do Produto Interno Bruto (PIB).
A dívida pública federal que até o mês passado estava em 76% do PIB deve ficar em torno de 90%, coisa nunca vista no Brasil, que, em outros tempos, levaria a uma fuga em massa de capital. Por enquanto o que se observou é que o risco Brasil no mercado internacional subiu de 130 para 346 pontos, o que serve de alerta aos investidores estrangeiros.
Paulo Guedes terá pela frente um monumental ajuste fiscal e, ao mesmo tempo, terá que adotar novas medidas de gastos para estimular o setor produtivo, empresas e indústrias que saíram da crise debilitadas. Há ainda milhares de empresas que estão desaparecendo, deixando empresários quebrados e muitos desempregados que vão bater nas portas do governo.
Sem falar também da importância de políticas protecionistas para garantir a produção no Brasil de produtos como máscaras, luvas, remédios, equipamentos médicos. Não podemos ficar dependendo do abastecimento destes produtos da China em uma situação de pandemia.
Como estamos vendo em todos os países afetados pela crise do coronavírus, o estado terá que ter um protagonismo maior para estimular a economia. Paulo Guedes, mesmo com suas convicções do estado mínimo, já está falando em investimentos que o governo terá que fazer em infraestrutura e saneamento básico.
As despesas obrigatórias, como gasto de pessoal, já estão no radar da equipe econômica para sofrer cortes. A renúncia fiscal de mais de R$ 300 bilhões pode ser revista, sem prejuízos a segmentos produtivos importantes. A maior parte do dinheiro que Guedes vai precisar deverá vir da cobrança de impostos.
A cobrança da CPMF por tempo determinado poderia ser uma alternativa, assim como uma maior tributação das grandes fortunas. A inclusão destes impostos na pauta de medidas ao Congresso, segundo qualificada fonte da área econômica, poderia contribuir para a aprovação das privatizações no Congresso. É que quanto maior for o volume arrecadado com as privatizações, menos seria a necessidade de cobrança de mais impostos e corte de gastos.
O aparelho de estado terá também que se ajustar a esta nova realidade de demanda por recursos públicos e controle de gastos. A área da saúde vai precisar de mais recursos para construção de hospitais, de mais UTIs, respiradores e profissionais habilitados para atender a população. Hoje, sabemos que este investimento será bem mais vantajoso em termos econômicos do que os estragos das quarentenas.
O governo terá muito mais demandas de gastos para atender a milhares de desempregados e pessoas que vivem na informalidade. O que observamos é que faltam dados e estudos para identificar as pessoas que mais precisam da ajuda do estado.
Caso o governo tenha êxito neste seu programa de controle do déficit primário poderá recuperar parte da confiança de investidores. O segundo passo é o plano de desenvolvimento econômico para dar conta dos novos desafios do setor produtivo de uma realidade bem diferente do que existia antes.
O crescimento da economia poderia ocorrer com o protagonismo do governo e a participação efetiva do setor privado. A retomada do crescimento é a única alternativa que o Brasil terá para reequilibrar suas contas e gerar empregos e renda, sem o que não há consumo e continuaremos no atoleiro.