Louvável a disposição deste site em trazer à discussão pública a questão do juizado de garantias. Ponto para o site.
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Não se trata de tertúlia, mas a complexidade do tema deveria ter levado o Congresso Nacional, o Governo e, agora, o STF, a abordá-la com as cautelas que toda matéria processual penal merece. Em torno disso, tudo parece estar sendo feito às carreiras, truncando-se o bom debate com manifestações de toda espécie, como sói acontecer em tempos de polarizações inconsistentes, açuladas pelas redes sociais.
Em que pese a relevância dos procedimentos jurisdicionais, o Brasil não merece se restringir, neste momento tão difícil, a temas tão etéreos para a maioria da população. Para esse povão que sofre com o desemprego, com a falta de saúde, com a precariedade da educação, com a insegurança generalizada, vem se somar, agora, uma nova agonia: as agruras do colapso do INSS. A mesma patuleia que foi iludida com a promessa de dias melhores, de assalto ao paraíso, se houvesse uma reforma da previdência, sente na própria pele o encalacro em que nos metemos.
Dia desses Leonardo Rolim, o homem-forte do secretário Rogério Marinho, confessou, candidamente, à colunista Eliane Catanhêde que, enquanto a equipe econômica se debruçava sobre simulações de uma Nova Previdência, aproximadamente 20% dos funcionários do INSS teriam requerido suas próprias aposentadorias, sem que seus cargos, uma vez vagos, tenham sido devidamente preenchidos. Um terço dos pouco mais de trinta mil servidores da autarquia estariam em condições de pendurar as chuteiras.
E deu no que deu. Esqueceram-se do principal para os simples mortais: como aplicar, de bate-pronto, as novas regras, após a promulgação da emenda constitucional, a fim de não deixar milhões de brasileiros que já tinham direitos previdenciários adquiridos à espera de seus miseráveis benefícios?!
Eis aí o resultado da incúria ou indiferença: as intermináveis filas e a paralisia na tramitação de quase dois milhões de requerimentos. Idas e vindas de pobres coitados, tratados como zumbis, daqui para acolá, em busca de sua aposentadoria, da licença-maternidade, do auxílio-doença, do benefício de prestação continuada (BPC) etc.
Conheci Leonardo Rolim, consultor legislativo da Câmara dos Deputados. Quando fui nomeada secretária-executiva do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), lá o encontrei a cuidar de contratos de interesse do ministro na gestão anterior: Francisco Dornelles.
Não tendo havido intenção da nova administração em mantê-lo em cargo comissionado no órgão ministerial, retornou o técnico à Câmara dos Deputados. Mas ainda viria a servir a um governo petista. Quando o senador Garibaldi Alves tornou-se ministro da Previdência Social, no primeiro mandato de Dilma Rousseff, Rolim foi convocado a assessorá-lo.
Certamente acumulou credenciais que o levariam a galgar, lépido e lampeiro, posto relevante na equipe de Paulo Guedes. Surfou no bônus. A vida, porém, nos reserva bônus e ônus. Resta saber, doravante, o que lhe trará o tsunami da crescente insatisfação de “segurados” lançados à própria sorte.
Esta semana, Renato Vieira, presidente do INSS, disse, impávido, não ter previsão de quando poderá terminar o levantamento dos que já têm tempo e preenchem todas as outras condições para receber sua aposentadoria. Deveria calçar as sandálias da humildade e pedir desculpas aos brasileiros, como fez o comandante das Forças Armadas iranianas ao reconhecer a responsabilidade do Estado na derrubada de um avião civil com mais de 170 pessoas a bordo.
A nós, cabe acompanhar pela TV a agonia diária dos que vão e vêm aos postos de atendimento, apenas para serem remetidos aos controles pela internet e pelas gravações telefônicas, os quais também não funcionam. Desespero total: quem vai pagar as contas que mal cabem nos benefícios previdenciários? E mais: se algum dia os requerentes receberem, de uma vez, a bolada de prestações represadas, a Receita Federal vai meter a mão?
Assim, o desespero de ocasião viraria inferno de vez.
Enquanto seu lobo não vem, sigamos, com cuidado e esperança, a novela da correção da tabela do Imposto de Renda. Nada. O diz que não diz é uma característica importante do governo atual. De manhã, pode. De tarde, não pode.
Mas a noite cai e, certamente acossado por fantasmas dos que se foram já velhinhos, o presidente resolve que vai. Para acordarmos no dia seguinte e ler nos jornais que não vai haver correção alguma.
Fica aí um problemão que, provavelmente, nenhum juiz de garantia poderá resolver, no atacado, deferindo uma liminar qualquer.
E lá vai a patuleia, sem garantia alguma, pelo caminho do desamparo de sempre.
* Sandra Starling é advogada e mestre em Ciência Política pela UFMG